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Laudo do Tribunal Arbitral - Laudo VII

Laudo do Tribunal Arbitral "Ad Hoc" do MERCOSUL constituído para decidir sobre a controvérsia apresentada
pela República Argentina à República Federativa do Brasil sobre“Obstáculos
à entrada de produtos fitossanitários argentinos no mercado brasileiro. Não incorporação
das Resoluções GMC Nº 48/96, 87/96, 149/96, 156/96 e 71/98, o que impede
sua entrada em vigência no MERCOSUL”

Na Cidade de Assunção do Paraguai aos dezenove dias de abril de dois mil dois, o Tribunal Arbitral “ad hoc” do Mercosul constituido para decidir na controversia entre a REPÚBLICA ARGENTINA e a REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL sobre “Obstáculos à entrada de produtos fitossanitários ao mercado brasileiro. Não incorporação das Resoluções GMC Nº 48/96, 87/96, 149/96, 156/96 e 71/98, o que impede sua entrada em vigência no Mercosul”.

TENDO EM VISTA:

Os feitos perante este Tribunal Arbitral “ad hoc” do MERCOSUL relativos à controvérsia entre a REPÚBLICA ARGENTINA e a REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL sobre “Obstáculos à entrada de produtos fitossanitários ao mercado brasileiro. Não incorporação das Resoluções GMC Nº 48/96, 87/96, 149/96, 156/96 e 71/98, o que impede sua entrada em vigência no Mercosul”.

CONSIDERANDO:

1. O TRIBUNAL ARBITRAL

O Tribunal Arbitral “ad hoc”, constituído para decidir sobre a presente controvérsia de conformidade com o que estabelece o Protocolo de Brasília para a Solução de Controvérsias no MERCOSUL de 17 de dezembro de 1991, foi formado pelos Senhores Árbitros Ricardo Olivera García (Árbitro Presidente), Héctor Masnatta e Guido Fernando Silva Soares, cidadãos nacionais da República Oriental do Uruguay, República Argentina e República Federativa do Brasil, respectivamente.

2. AS PARTES

As Partes neste Procedimento Arbitral são a República Argentina e a República Federativa do Brasil.

Em seu documento de reclamação, a República Argentina designou como sua representante a Ministra María Cristina Boldorini e como representantes alternos, Dra. Susana Czar de Zalduendo e o Lic. Adrián Makuc, tendo a República Federativa do Brasil, em seu respectivo documento de resposta, nomeado como seu representante, o Primeiro Secretário Carlos Márcio Bicalho Cozendey.

3. PROCEDIMENTO ARBITRAL:

3.1 Em 14 de novembro de 2001 a República Argentina comunicou ao Diretor da Secretaria Administrativa do MERCOSUL a decisão do Governo da República Argentina de iniciar o procedimento arbitral, previsto no Capítulo IV do Protocolo de Brasília para a Solução de Controvérsias, contra a República Federativa do Brasil com relação à controvérsia suscitada entre ambos os Estados sobre “Obstáculos à entrada de produtos fitossanitários argentinos no mercado brasileiro. Não incorporação das Resoluções GMC Nº 48/96, 87/96, 149/96, 156/96 e 71/98, o que impede sua entrada em vigência no MERCOSUL”.

3.2 Na data de 27 de dezembro de 2001, conforme a Ata da Sessão Nº 1, declarou-se constituído, instalado e em funcionamento este Tribunal Arbitral “ad hoc” para decidir sobre a controvérsia referida, estando o mesmo composto pelos Senhores Árbitros mencionados e declarando-se que a Presidência será exercida pelo Doutor Ricardo Olivera García, de conformidade com o que estabelece o artigo 9, alínea 2, parágrafo i) do Protocolo de Brasília.

3.3 Os integrantes do Tribunal Arbitral examinaram os antecedentes proporcionados pela Secretaria Administrativa do MERCOSUL e constataram, reciprocamente, a boa e devida forma de suas respectivas nomeações como Árbitros, de conformidade com o Protocolo de Brasília para a solucão de controvérsias e com seu Regulamento. Comprovou-se que os três Árbitros estão incluídos na lista estabelecida no artigo 10 do Protocolo de Brasília, tendo cada um deles assinado a declaração requerida no artigo 16 do Regulamento do Protocolo de Brasília.

3.4 No mesmo ato, foram adotadas pelo Tribunal Arbitral, as Regras de Procedimento de acordo com o estabelecido no artigo 15 do Protocolo de Brasília e com o artigo 20 do Regulamento ao Protocolo de Brasília.

3.5 Em 4 de janeiro de 2002, a República Argentina apresentou, no devido tempo e na devida forma, o documento escrito com sua reclamação a respeito da controvérsia antes citada, sendo este recebido pelo Tribunal Arbitral e apresentado em disposição da mesma data.

3.6 No dia 11 de janeiro de 2002 a República Federativa do Brasil solicitou uma prorrogação por trinta (30) dias do prazo para responder à reclamação apresentada, tendo recebido a anuência da Parte reclamante para a concessão da prorrogação solicitada.

3.7 Por Disposição datada de 14 de janeiro de 2002, e de conformidade com a Parte reclamante, o Tribunal Arbitral concedeu a prorrogação solicitada pela República Federativa do Brasil, a qualapresentou no dia 8 de fevereiro de 2002 , um documento com sua resposta à reclamação feita pela República Argentina.

3.8 Na data de 1º de março de 2002 e após a devida convocação, foi realizadauma Audiência com o fim de diligenciar a produção da prova testemunhal oferecida, em conjunto com a Audiência estabelecida no art. 15 das Regras de Procedimento. Nessa Audiência o Tribunal Arbitral resolveu admitir as provas documentais apresentadas pelas Partes, tendo procedido à interrogação das testemunhas propostas e tomado por termo as respectivas alegações orais das Partes.

3.9 Na mesma Audiência, as Partes concordaram em prorrogar até o dia 19 de abril de 2002 o prazo para o pronunciamento do Laudo Arbitral.

3.10 Na mesma Audiência de 1º de março de 2002, a República Federativa do Brasil solicitou a incorporação de prova documental adicional, pedido que foi fundamentado no documento datado de 5 de março de 2002.

3.11 Por Disposição de 15 de março de 2002, o Tribunal Arbitral resolveu por unanimidade não aceder à solicitação de incorporação de prova documental adicional efetuada pela República Federativa do Brasil.

3.12 Tendo sido apresentadas as respectivas Memórias Finais das Partes no prazo e na forma adequados, os autos passaram ao Tribunal Arbitral para resolução.

4 . ALEGAÇÕES DA PARTE RECLAMANTE

4.1 Como Parte Reclamante perante este Tribunal Arbitral, a República Argentina destaca dois aspectos da controvérsia submetida à decisão:

a) Obstáculos à entrada de produtos fitossanitários similares argentinos ao mercado brasileiro,

b) A não incorporação das Resoluções GMC Nº 48/96, 87/96, 149/96, 156/96 e 71/98 ao ordenamento jurídico brasileiro.

4.2 Alega que a República Federativa do Brasil não cumpre a obrigação de incorporar em seu ordenamento interno a normativa MERCOSUL adotada pelos quatro Estados Partes em matéria de Facilitação do Comércio de Produtos Fitossanitários para o MERCOSUL.

4.3 Essa atitude da República Federativa do Brasil, viola o princípio de livre circulação de bens na região, impedindo o acesso a seu mercado de produtos fitossanitários similares dos Estados Partes, ao estabelecer obstáculos derivados da imposição de restrições originárias de registro, as quais foram eliminadas ao ser alcançado o acordo sobre um sistema de registro abreviado.

4.4 Alega outrossim que a República Federativa do Brasil não cumpre com a obrigação de reciprocidade, tendo em vista que a República Argentina e os demais Estados Partes do MERCOSUL têm observado os compromissos relacionados à facilitação do comércio de produtos fitossanitários.

4.5 Com a finalidade de garantir o uso de insumos eficazes e seguros para a produção agrícola, os Estados Partes harmonizaram os requisitos técnicos para a avaliação e o registro de produtos fitossanitários similares. Nesse sentido, acordaram um procedimento de registro abreviado para o MERCOSUL.

4.6 Este sistema de registro abreviado para os produtos fitossanitários similares, foi incorporado aos ordenamentos jurídicos da Argentina, Paraguai e Uruguai. No Brasil, a legislação vigente não distingue, para os fins do registro, entre produtos novos (absolutamente desconhecidos) e produtos similares já registrados no Brasil, exigindo-se os mesmos requisitos para o registro de ambos os tipos de produtos.

4.7 Estabelece que, conforme as características do ordenamento jurídico do MERCOSUL, as normas aprovadas pelas quatro partes são obrigatórias para os Estados Partes e devem ser incorporadas aos ordenamentos jurídicos internos, nos casos que couber, estando tal obrigação fundamentada nos artigos 38 e 42 do Protocolo de Ouro Preto e em várias Decisões do Conselho do Mercado Comum.

4.8 A não incorporação pela República Federativa do Brasil das Resoluções envolvidas na presente controvérsia impede o livre comércio intrazonal consagrado no Tratado de Assunção (Artigo 1, Anexo I), representando um obstáculo para o acesso dos produtos fitossanitários similares ao mercado brasileiro.

4.9 Solicita ao Tribunal Arbitral que requeira à República Federativa do Brasil que, num prazo de 15 dias, proceda a incorporar a seu ordenamento jurídico as Resoluções GMC Nº 48/96, 87/96, 149/96, 156/96 e 71/98, e que adote todas as medidas necessárias, como normas jurídicas internas e/ou modificações das existentes, para garantir a aplicação e o cumprimento efetivos de tal normativa.

4.10 Outrossim, pede-se ao Tribunal Arbitral que requeira à República Federativa do Brasil que permita o registro por similaridade e a livre circulação dos produtos fitossanitários compreendidos nas Resoluções GMC Nª 48/96, 156/96 e 71/98, e elimine todos os obstáculos à entrada e ao registro de produtos fitossanitários similares argentinos.

5. ALEGAÇÕES DA PARTE RECLAMADA

5.1 A República Federativa do Brasil, como parte Reclamada manifesta que as negociações sobre produtos fitossanitários no MERCOSUL partem do princípio de que o livre comércio neste setor está subordinado à necessidade de garantir a “segurança, eficiência e economia” destes produtos, conforme o que dispõe a Resolução 73/94.

5.2 A adoção das Resoluções 48/96, 87/96, 149/96, 156/96 e 71/98 jamais pretendeu esgotar os esforços de harmonização necessários para assegurar adequadas condições para a circulação dos produtos fitossanitários no MERCOSUL. Desde sua origem, o sistema transitório estabelecido nas referidas Resoluções foi concebido como uma etapa do processo, agora incipiente, de harmonização das legislações nacionais em matéria de registro, prevista desde os inícios do MERCOSUL como condição sine qua non para uma efetiva regulamentação do comércio destes produtos na região.

5.3 Sustenta que não procede a alegação de que o sistema de registro vigente no Brasil antes do Decreto 4074/02 não é compatível com o princípio de livre comércio já que, nos termos do artigo 2º do Anexo I do Tratado de Assunção, não estão compreendidas no conceito de restrições não tarifárias proibidas no MERCOSUL as medidas adotadas em virtude das situações previstas no art. 50 do Tratado de Montevidéu de 1980.

5.4 O art. 1º do Tratado de Assunção não veda a adoção de medidas unilaterais consideradas necessárias para determinados objetivos de política pública de proteção da saúde, do meio ambiente e da segurança da população, não tendo o sistema de registro no Brasil caráter discriminatório, sendo aplicado de modo totalmente idêntico a empresas nacionais e estrangeiras.

5.5 O Governo da República Federativa do Brasil sempre reconheceu a obrigatoriedade e/ou a necessidade de incorporar as Resoluções 48/96, 87/96, 149/96, 156/96 e 71/98 que, nos termos do artigo 40 do Protocolo de Ouro Preto, são obrigatórias em todos seus elementos e, neste sentido, estão em curso de internalização no ordenamento jurídico brasileiro por força do Decreto 4074 de 4 de janeiro de 2002, o que consagra o princípio de registro por equivalência previsto nas Resoluções MERCOSUL.

5.6 À luz do disposto no artigo 38 do Protocolo de Ouro Preto, a única obrigação em matéria de incorporação, reside em adotar todas as medidas tendentes a assegurar a vigência interna da normativa aprovada pelos órgãos do MERCOSUL, sem menção alguma à existência de um limite temporal para tal, cabendo à legislação de cada Estado Parte a definição dos prazos e procedimentos para a incorporação de tais normas nos termos do artigo 42 do Protocolo de Ouro Preto.

5.7 Quanto à pretendida violação pela República Federativa do Brasil do art. 2º do Anexo I ao Tratado de Assunção, alega que o Protocolo de Ouro Preto não ampara a vigência unilateral das normas aprovadas pelos órgãos do MERCOSUL, não podendo, portanto, ser responsabilizado por supostas assimetrias criadas pela própria Reclamante ao agilizar, em seu próprio interesse, a entrada em vigência interna das referidas Resoluções antes de que fosse concluído o processo de incorporação nos restantes países do MERCOSUL.

5.8 Pelas razões expostas, solicita ao Tribunal Arbitral que considere improcedente a demanda apresentada pela República Argentina e que reconheça e declare que: a) as exigências do sistema de registro de produtos fitossanitários tal como está vigente na República Federativa do Brasil não viola o princípio de livre comércio estabelecido no artigo 1º do Tratado de Assunção à luz do artigo 2 do Anexo I do mesmo que estabelece que não são restrições as medidas tomadas ao amparo do estabelecido no art. 50 do Tratado de Montevidéu de 1980; b) que a conduta do Governo do Brasil no que se refere à incorporação das Resolucões GMC 48/96, 87/96, 149/96, 156/96 e 71/98 é compatível com o disposto no artigo 38 do Protocolo de Ouro Preto; c) que não pode ser considerada violação do artigo 2º do Anexo I do Tratado de Assunção, referente à obrigação de reciprocidade, tendo em vista a previsão do artigo 40 do Protocolo de Ouro Preto relativa à entrada em vigência simultânea da normativa MERCOSUL.

CONSIDERANDO:

6. O OBJETO DA CONTROVÉRSIA

6.1 O artigo 28 do Regulamento do Protocolo de Brasília para a Solução de Controvérsias, aprovado por Decisão do CMC Nº 17/98, estabelece que “o objeto das controvérsias entre Estados e das reclamações iniciadas a pedido dos particulares estará determinado pelos escritos de apresentação e de resposta....”.

6.2 Nesse sentido, a solução da presente controvérsia supõe que o Tribunal adote sua decisão sobre os pontos a seguir indicados:

a) - a existência de uma obrigação a cargo da República Federativa do Brasil de incorporar a seu ordenamento interno, as disposições contidas nas Resoluções GMC Nº 48/96, 87/96, 149/96, 156/96 e 71/98 sobre o registro de produtos fitossanitários: .

b) - a existência de uma situação de descumprimento quanto à incorporação a seu ordenamento interno das referidas Resoluções GMC por vencimento do prazo para dita incorporação;

c) - a procedência da exceção derivada do art. 50 do Tratado de Montevidéu de 1980 como justificativapara a omissão de incorporar as resoluções a seu ordenamento interno.

6.3 Nos capítulos seguintes, o Tribunal deverá analisar, por ordem, as questões formuladas.

7. A OBRIGAÇÃO DE INCORPORAÇÃO DAS RESOLUÇÕES GMC.

7.1 O art. 40 do Protocolo de Ouro Preto (doravante POP), complementado pelo art. 38 do mesmo corpo normativo, estabelece claramente a obrigação de os Estados Partes incorporarem a normativa MERCOSUL a seus respectivos direitos internos.

7.2 O art. 40 do POP dispõe em sua alínea i) que “Uma vez aprovada a norma, os Estados Partes adotarão as medidas necessárias para sua incorporação ao ordenamento jurídico nacional e comunicarão as mesmas à Secretaria Administrativa do Mercosul”.

Por outro lado, o art. 38 do POP determina que “Os Estados Partes se comprometem a adotar as medidas necessárias para garantir, em seus respectivos territórios, o cumprimento das normas emanadas dos órgãos do Mercosul previstos no artigo 2 deste Protocolo”.

7.3 A obrigação de incorporação estabelecida nos artigos 38 e 40 do POP surge como conseqüência da não aplicação direta nos Estados Partes da normativa MERCOSUL, fazendo o Protocolo de Ouro Preto uma distinção entre as noções de obrigatoriedade e vigência das normas que compõem o direito derivado no MERCOSUL.

7.4 Com efeito, o art. 42 do POP estabelece que “As normas emanadas dos órgãos do Mercosul previstos no Artigo 2 deste Protocolo terão caráter obrigatório e, quando seja necessário, deverão ser incorporadas aos ordenamentos jurídicos nacionais mediante os procedimentos previstos na legislação de cada país”.

7.5 Não obstante a obrigatoriedade da normativa Mercosul desde seu aperfeiçoamento pelo consenso dos Estados Partes, a vigência das mesmas é adiada até a efetiva incorporação de tal normativa ao direito interno de cada um dos Estados Partes, nos casos em que isto se faça necessário.

7.6 Assim o entendeu a Jurisprudência dos Tribunais Arbitrais “ad hoc” no MERCOSUL, expressando que “o regime resultante, no entanto, não é incoerente nem contraditório, mas responde ao conceito chamado em doutrina de “vigência simultâna” – por oposição à aplicação imediata – no qual se conjugam e harmonizam as diversas disposições do POP a esse respeito num sistema no qual as normas são obrigatórias para os EPM a partir de sua aprovação, mas a vigência somente se produz simultaneamente para todos os EPM uma vez que todos eles tenham cumprido o procedimento do art. 40” (Laudo Arbitral na controvérsia sobre “Aplicação de Medidas Antidumping contra a exportação de frangos inteiros provenientes do Brasil, Resolução Nº 574/2000 do Ministério de Economia d a República Argentina”, Considerando 116).

7.7 Neste sentido, enquanto as normas são obrigatórias para os Estados Partes, mesmo ao não terem entrado em vigência simultânea, a obrigatoriedade das mesmas gera como conseqüência o nascimento de uma obrigação de fazer, a de incorporar ao direito interno dita normativa, e uma obrigação de não fazer, a de não adotar medidas que por “sua natureza se oponham ou frustrem o propósito da norma aprovada mas ainda não incorporada” (Laudo Arbitral cit., Considerando 117).

7.8 A obrigação de incorporar a normativa MERCOSUL aos direitos internos dos Estados Partes constitui uma obrigação de fazer, que acarreta a responsabilidade inernacional dos Estados em caso de não cumprimento. Neste sentido, a jurisprudência dos Tribunais Arbitrais “ad hoc” do MERCOSUL estabeleceu que “dada a natureza intergovernamental do MERCOSUL e a ausência de aplicação direta de sua normativa, ninguém pode cumprir em lugar do Estado obrigado o ato de incorporação requerido. Mas o descumprimento traz consigo responsabilidade internacional do Estado descumpridor com relação aos Estados que sim cumpriram” (Laudo Arbitral cit., Considerando 117).

7.9 No caso analisado nestes autos, a normativa MERCOSUL composta pelas Resoluções GMC Nº 48/96, 87/96, 149/96, 156/96 e 71/98 não foi incorporada à normativa interna da República Federativa do Brasil, não tendo sido cumpridos, portanto, os supostos requeridos pelo art. 40 do POP para a vigência simultânea de tais normas.

7.10 Portanto, a normativa cuja falta de incorporação é denunciada neste procedimento arbitral pela parte reclamante, não entrou ainda em vigência no MERCOSUL, não obstante sua obrigatoriedade para os Estados Partes, razão pela qual é pertinente examinar se existiu por parte da reclamada uma violação à obrigatoriedade dessa normativa, isto é às obrigações de fazer e não fazer que nascem como conseqüência de tal obrigatoriedade.

7.11 As Resoluções do Grupo Mercado Comum Nº 48/96, 87/96, 149/96, 156/96 e 71/98, cuja incorporação ao direito interno da República Federativa do Brasil é solicitada, estabelecem o Sistema de Facilitação de produtos fitossanitários chamado também Sistema Abreviado de Registro, e foram incorporadas ao direito interno da República Argentina através da Resolução Nº 603 da Secretaria de Agricultura, Pecuária, Pesca e Alimentação com data de 27/8/97 e a Resolução do GMC 71/98 foi incorporada através da Resolução Nº 195 de 5/5/00 da mesma Secretaria.

7.12 Foram também incorporadas pela República Oriental do Uruguai por Resolução datada de 14/8/98 da Direção Geral de Serviços Agrícolas, dependente do Ministério de Pecuária, Agricultura e Pesca, e pela República do Paraguai através do Decreto 5043 de 6/9/99.

7.13 Ao contrário, o Governo da República Federativa do Brasil não incorporou até o momento, as Resoluções do Grupo Mercado Comum objeto do presente procedimento arbitral, apesar de que a primeira delas data de 1996.

7.14 A existência de uma obrigação de incorporação é compartilhada pela República Federativa do Brasil que reconhece expressamente a obrigação genérica dos Estados Partes de incorporar a seus ordenamentos jurídicos internos as normas emanadas dos órgãos do MERCOSUL com capacidade decisória e, particularmente, a obrigação de incorporar a seu direito interno as Resoluções sobre registros de produtos fitossanitários.

Neste sentido estabelece em seu documentode resposta que “O Governo brasileiro sempre reconheceu a obrigatoriedade e/ou a necessidade de incorporar as Resoluções 48/96, 87/96, 149/96, 156/96 e 71/98, as quais, nos termos do artigo 40 do Protocolo de Ouro Preto são obrigatórias em todos os seus elementos e, nesse sentido, estão em curso de internalização no ordenamento jurídico brasileiro, por força do Decreto 4074 de 4 de janeiro de 2002, que, a despeito da necessidade de regulamentação adicional, consagra o princípio do registro por equivalência previsto nas Resoluções MERCOSUL” (Escrito de Resposta, pág. 49).

7.15 Do exposto surge com clareza a existência de uma obrigação de incorporação das Resoluções do GMC objeto deste procedimento arbitral ao direito interno da parte reclamada, não existindo até o momento mais que um princípio de cumprimento de tal obrigação, que a própria República Federativa do Brasil considera insuficiente ao expressar que as Resoluções referidas “Estão em curso de internalização no ordenamento jurídico brasileiro por força do Decreto 4074 de 4 de janeiro de 2002, o qual, a despeito da necessidade de regulamentação adicional, consagra o princípio do registro por equivalência previsto nas Resoluções MERCOSUL” (Escrito de resposta, pág. 49).

7.16 Não obstante o reconhecimento expresso da obrigação de incorporar a normativa MERCOSUL objeto destes procedimentos, a República Federativa do Brasil sustenta que dita obrigação de incorporar é uma obrigação sem prazo e que, portanto, os Estados Partes não têm um limite temporal para o cumprimento da mesma.

7.17 Adicionalmente, justifica a não incorporação da normativa MERCOSUL a seu ordenamento interno na exceção estabelecida no art. 2 do Anexo I ao Tratado de Assunção a que faz referência ao art. 50 do Tratado de Montevidéu de 1980.

7.18 Ambas as defesas esgrimidas pela parte reclamada serão analisadas pelo Tribunal Arbitral, por sua ordem, nos capítulos seguintes.

8. PRAZO PARA O CUMPRIMENTO DA OBRIGAÇÃO DE INCORPORAR

8.1 A parte reclamada alega em seu documento de resposta que não existe um limite temporal para que os Estados Partes dêem cumprimento à obrigação de incorporar a normativa MERCOSUL a seus respectivos ordenamentos jurídicos internos. Neste sentido expressa que “À luz do disposto no artigo 38 do Protocolo de Ouro Preto, a única obrigação, em matéria de incorporação, reside em adotar todas as medidas necessárias para assegurar a vigência interna da normativa aprovada pelos órgãos do MERCOSUL, sem qualquer menção à existência de um limite temporal para esse fim, cabendo à legislação de cada Estado Parte a definição de prazos e procedimentos para incorporação dessas normas, nos termos do artigo 42 do Protocolo de Ouro Preto” (Escrito de Resposta, pág. 49).

8.2 Como primeira reflexão, o Tribunal entende que a distinção entre obrigações de meios e de resultados consagrada pela doutrina iusprivatista, não resulta aplicável na espécie. A República Federativa do Brasil é um Estado membro do MERCOSUL que, através de seus representantes no órgão Grupo Mercado Comum, adotou as Resoluções objeto desta controvérsia, as quais está obrigado a incorporar. A incorporação desta normativa ao Direito interno brasileiro não depende de um fato externo ao próprio Estado obrigado nem à vontade de um terceiro. São os órgãos competentes da República Federativa do Brasil que, de acordo com sua legislação interna, têm a atribuição de cumprir a incorporação da norma comunitária.

Como conseqüência, a conduta devida pela República Federativa do Brasil não consiste em “tomar as medidas necessárias para assegurar a vigência” mas em incorporar internamente a norma acordada.

8.3 Não foge à compreensão deste Tribunal que a incorporação pelos Estados Partes das normas acordadas no âmbito do Grupo Mercado Comum requer o desenvolvimento de um processo de análise e harmonização com a ordem jurídica interna de cada Estado pelos órgãos competentes desse mesmo Estado.

Entretanto, esta circunstância não determina o conteúdo da obrigação mas impõe simplesmente a concessão de um prazo razoável para que o Estado obrigado dê cumprimento a seus requerimentos internos de procedimento.

8.4 De acordo com a Resolução do GMC 23/98, os projetos de normativa MERCOSUL que devam ser incorporados por via administrativa indicarão, quando couber, o prazo em que se cumprirá tal incorporação aos ordenamentos jurídicos dos Estados Partes. No mesmo sentido, o artigo 7 da Resolução CMC 23/00 estabelece que “nos casos em que as Decisões, Resoluções e Diretrizes incluam uma data ou um prazo para sua incorporação, essas cláusulas revestem caráter obrigatório para os Estados Partes e devem ser incorporadas nas datas ou prazos estabelecidos a fim de que possa ser cumprido o procedimento de vigência simultânea determinado no Art. 40 do Protocolo de Ouro Preto”.

8.5 Estas normas, posteriores no tempo às Resoluções GMC objeto desta controvérsia, não fazem mais que consagrar o princípio natural e óbvio de autonomia da vontade dos Estados Partes para fixar, de comum acordo, no órgão comunitário cuja vontade formam unanimemente, os prazos que entendem razoáveis para o cumprimento da obrigação de incorporação.

8.6 Este Tribunal Arbitral compartilha a posição da parte reclamada quando afirma que as Resoluções do Grupo Mercado Comum 48/96, 87/96, 149/96, 156/96 e 71/98 não citam de modo expresso um prazo para o cumprimento da mesma. Não obstante, discrepa da parte reclamada quando entende que se trata de uma obrigação sem prazo, cujo cumprimento fica subordinado à vontade e ao livre critério do obrigado.

8.7 Não existem no Direito obrigações sem prazo, cuja exigibilidade seja deixada à vontade do obrigado. Isto é evidente tanto no caso das obrigações derivadas de atos, internacionais, bilaterais como dos multilaterais A ausência de previsões normativas neste sentido deve-se completar com outras normas ou princípios jurídicos. Podem existir lacunasna norma, mas não existem lacunas no Direito.

8.8 Pelo exposto, este Tribunal Arbitral entende que ao não existir nas Resoluções objeto destes procedimentos, nem no resto da normativa MERCOSUL, um texto expresso que imponha um prazo determinado para o cumprimento da obrigação de incorporar, produz-se uma lacuna normativa que deve ser preenchida pelos princípios gerais do direito internacional aplicáveis ao caso analisado.

8.9 O artigo 19 do Protocolo de Brasília estabelece que são fonte normativa do MERCOSUL que constituem o âmbito de referência ao que deve se ater o Tribunal Arbitral “as disposições do Tratado de Assunção, dos Acordos celebrados em seu âmbito, das Decisões do Conselho do Mercado Comum, das Resoluções do Grupo Mercado Comum, assim como dos princípios e disposições do direito internacional aplicáveis na matéria” (Cfr. Laudo Arbitral sobre a controvérsia apresentada pela República Oriental do Uruguai à República Argentina sobre “Restrições de acesso ao mercado argentino de bicicletas de origem uruguaia”).

8.10 São aplicáveis ao objeto da controvérsia submetida para decisão perante este Tribunal os princípios reconhecidos de pacta sunt servanda, boa fé e razoabilidade.

8.11 O princípio de cumprimento dos Tratados e demais compromissos internacionais, o pacta sunt servanda, constitui uma norma fundamental, originária do Direito Romano, consagrado em textos relevantes como a Convenção de Viena sobre Direito dos Tratados. É unanimemente aceito pela doutrina internacionalista, incluída a de autores latino-americanos, e pela jurisprudência dos Tribunais internacionais como alicerce indispensável em todo processo de integração. O princípio de pacta sunt servanda impõe o cumprimento dos compromissos assumidos, situação que contradiz o ato de sustentar o livre arbítrio do devedor de cumprir ou não, ou de cumprir no momento em que, segundo seu interesse, considerar oportuno ou conveniente.

8.12 O princípio de pacta sunt servanda deve ser aplicado unido ao princípio de cumprimento de boa fé das obrigações assumidas nos Tratados internacionais.

A jurisprudência dos Tribunais Arbitrais “ad hoc” no MERCOSUL expressou que deve-se incluir no conceito de boa fé “não só a honestidade dos atos de execução e seu apego formal à letra dos textos,... mas a idoneidade da atividade das Partes para dar cumprimento aos fins e objetivos das normas convencionais acordadas” (Laudo Arbitral sobre a controvérsia referida a “Comunicados Nº 37 de 17 de dezembro de 1997 e Nº 7 de 20 de fevereiro de 1998 do Departamento de Operações de Comércio Exterior (DECEX) da Secretaria de Comércio Exterior (SECEX): Aplicação de Medidas Restritivas ao Comércio Recíproco”, Considerando 56).

8.13 No mecanismo estabelecido no POP, a incorporação prévia das Resoluções sob análise pelos Estados Partes do MERCOSUL é requisito indispensável para a vigência simultânea das disposições acordadas.

Significa dizer que a demora na incorporação normativa pela República Federativa do Brasil, obsta a colocação em funcionamento do Sistema entre todos os Estados Partes.

Uma atuação de conformidade com os objetivos das Resoluções do GMC e do próprio acordo de integração sub-regional do MERCOSUL, impõe um comportamento positivo no sentido de facilitar a vigência simultânea e a colocação em ação dos instrumentos reguladores aprovados pelos Estados Partes.

8.14 Também é aplicável à controvérsia submetida a exame, o princípio de razoabilidade na atuação e conduta das Partes, e no cumprimento das obrigações assumidas no MERCOSUL. Assim o entendeu a jurisprudência dos Tribunais Arbitrais “ad hoc” ao estabelecer que “o princípio de razoabilidade deve orientar as ações dos Estados pois naquele estão incorporadas a segurança jurídica do processo de integração, a garantia dos valores pelos Tratados fundacionais do MERCOSUL, assim como a prudência, a causalidade e a proporcionalidade já referida” (Laudo Arbitral sobre a controvérsia relativa à “Proibição de Importação de Pneumáticos Remodelados (Remolded) Procedentes do Uruguai”, Considerando B, numeral 1, alínea c).

8.15 Este Tribunal Arbitral entende que a existência de uma obrigação carente em absoluto de prazo, e cujo cumprimento está, portanto, submetido à vontade dos Estados Partes, violenta os princípios de pacta sunt servanda e razoabilidade, assim como a noção intrínseca de obrigação jurídica.

8.16 Em virtude dos princípios que acabam de ser expostos, este Tribunal Arbitral entende que, nos casos em que não existam prazos para o cumprimento da obrigação de incorporação estabelecida nos artigos 38 e 40 do POP, impõe-se ao intérprete a tarefa de colmatar a lacuna normativoa e delimitá-la, preenchendo com um conteúdo o conceito jurídico indeterminado de prazo razoável.

8.17 O conceito jurídico indeterminado de “prazo razoável” deve ser preenchido em cada caso, delimitando o prazo que razoavelmente o Estado Parte poderia ter levado para incorporar efetivamente a seu direito interno a normativa objeto da obrigação.

8.18 Surge destas atuações a comprovação de que todos os Estados Partes, exceto a República Federativa do Brasil, cumpriram a obrigação de incorporação estabelecida nos artigos 38 e 40 do POP, tendo ingressado a seu direito interno as Resoluções do Grupo Mercado Comum 48/96, 87/96, 149/96, 156/96 e 71/98.

8.19 Desde a aprovação por consenso de todos os Estados Partes da primeira Resolução do GMC objeto da controvérsia transcorreram quase seis anos. Neste lapso, o primeiro ato de incorporação da parte reclamada, reconhecido por esta como insuficiente, é constituído pelo Decreto 4074/2002 de 4 de janeiro de 2002, cuja data de aprovação é sumamente recente e posterior à instauração e colocação em funcionamento deste Tribunal Arbitral “ad hoc”.

8.20 Definitivamente não parece razoável um adiamento de quase seis anos à incorporação devida.

Mesmo quando possa existir uma demora razoável, produto da importância do assunto e da complexidade da elaboração e do ditado das normas, o prazo utilizado pela República Federativa do Brasil resulta excessivo, superando o standard jurídico da razoabilidade proposto, máxime se lfor levado em conta que os restantes Estados Partes incorporaram as mesmas normas na metade ou na terça parte do tempo transcorrido no caso brasileiro.

8.21 Por todo o anteriormente exposto, este Tribunal Arbitral conclui que foi excessivo o prazo que pudesse ser considerado razoável para o cumprimento da obrigação de incorporar à normativa objeto destes procedimentos e que, portanto, se configurou um descumprimento por parte da República Federativa do Brasil da obrigação estabelecida nos artigos 38 e 40 do POP.

9. EXCEÇÃO CONTIDA NO ART. 50 DO TRATADO DE MONTEVIDÉU DE 1980

9.1 A Parte reclamada alega como defesa a exceção contida no art. 50 do Tratado de Montevidéu de 1980, expressando que “O princípio do livre comércio não saberia sobrepor-se a legítimas preocupações com a proteção à saúde e ao meio ambiente, sob pena de flagrante violação do artigo 2º do Anexo I do Tratado de Assunção, o qual estabelece textualmente que não estão compreendidas no conceito de restrições não tarifárias, proibidas no MERCOSUL desde o final do regime de transição, as medidas adotadas em virtude das situações previstas no artigo 50 do Tratado de Montevidéu de 1980, que, por sua vez, prevê que nenhuma disposição daquele tratado será interpretada como impedimento à adoção de medidas destinadas, entre outros, a proteger a vida e a saúde das pessoas, animais e vegetais” (Escrito de Resposta, pág. 15).

9.2 O Tratado de Assunção ao estabelecer o regime de redução progressiva dos gravames e restrições não tarifárias em seu Anexo I, Programa de Liberação Comercial, dispõe que não estarão compreendidas em tal conceito “as medidas adotadas em virtude de situações previstas no artigo 50 do Tratado de Montevidéu de 1980”.

Por outro lado, o citado artigo 50 do Tratado de Montevidéu de 1980, do qual a Argentina e o Brasil são parte, expressa que “Nenhuma disposição do presente Tratado será interpretada como impedimento para a adoção e o cumprimento de medidas destinadas a:

a) Proteção da moralidade pública;

b) Aplicação de leis e regulamentos de segurança;

c) Regulação das importações ou exportações de armas, munições e outros materiais de guerra e, em circunstâncias excepcionais, de todos os demais artigos militares;

d) Proteção da vida e da saúde das pessoas, animais e vegetais;

e) Importação e exportação de ouro e prata metálicos;

f) Proteção do patrimônio nacional de valor artístico, histórico ou arqueológico; e

g) Exportação, importação ou consumo de materiais nucleares, produtos radioativos ou qualquer outro material utilizável no desenvolvimento ou aproveitamento da energia solar”.

9.3 O Tribunal não compartilha a tese de que, no presente caso, a invocação genérica da proteção da saúde humana, animal e vegetal amparada pelo art. 50 do Tratado de Montevidéu de 1980 possa isentar a República Federativa do Brasil de cumprir a obrigação específica de incorporar a sua normativa interna as disposições das Resoluções GMC em análise. A circunstância de que os produtos fitossanitários tenham a potencialidade de causar dano à saúde, não é argumento suficiente para opor-se a incorporar as normas de registro previamente acordadas em um tempo razoável.

9.4 A partir de uma ótica comercial, a omissão de incorporar as disposições das Resoluções GMC ao ordenamento brasileiro, constitui conceitualmente uma restrição não tarifária à circulação de mercadorias. Esta afirmação é sustentada pela Parte reclamante e não rebatida pela Parte reclamada. É também causa de que a questão seja submetida à consideração deste Tribunal.

Como toda restrição ao princípio de liberdade de circulação de mercadorias, a mesma deve ser excepcional, específica e de interpretação restritiva. Ademais, deverá recair sobre o Estado que impõe a restrição o onus probandi de que se produziu a situação de fato que sustenta a restrição.

9.5 Nenhum destes extremos se produz no caso sob análise. A invocação de seu legítimo direito à proteção da saúde humana, animal e vegetal não é feita pelo Brasil para restringir uma importação de uma partida ou de um produto em particular, mas sim para opor-se a todo o regime de incorporação das normas sobre registro de produtos fitossanitários anteriormente acordada.

Claramente, esta restrição chamada para dar solução a situações concretas e excepcionais pretende ser utilizada pela República Federativa do Brasil para liberar-se da obrigação de incorporar uma normativa que, expressa e livremente, já havia acordado cumprir.

9.6 O Tribunal entende que a interpretação do Tratado de Montevidéu de 1980 que o Brasil pretende, não se ajusta à natureza restritiva e específica que surge da natureza da restrição imposta.

Nada impede que a República Federativa do Brasil recorra logo à proteção do art. 50 do Tratado de Montevidéu de 1980 para solucionar problemas concretos e específicos que possam apresentar-se por ocasião de importações específicas de produtos fitossanitários realizadas no âmbito da regulação que os Estados Partes acordaram no Grupo Mercado Comum.

9.7 Por outro lado, das atuações processuais da Parte reclamada não surge tampouco prova alguma de circunstâncias concretas e específicas de dano à saúde humana, animal ou vegetal que proporcionem a sustentação pretendida à restrição.

9.8 Finalmente, o Tribunal não consegue apreciar a congruência existente entre a invocação da exceção derivada do Tratado de Montevidéu de 1980, com o prévio reconhecimento pela Parte reclamada de sua obrigação de incorporação e, com a afirmação que o decreto 4074/02 representa uma primeira etapa no processo de incorporação da referida normativa.

10. CONSIDERAÇÃO FINAL

O Tribunal destaca que as considerações de caráter técnico jurídico realizadas no presente Laudo Arbitral, não implicam juízo de valor algum sobre a atuação das Partes nem de seus representantes e técnicos, aos quais reconhece haverem atuado no exercício da defesa de causas que consideram viáveis e justas, inspirados todo o tempo pelo objetivo de levar adiante, com convição e lealdade, o proceso de integração regional iniciado a partir do Tratado de Assunção.

incorporação e com a afirmação de que o decreto 4074/02 representa uma primeira etapa no processo de incorpoida normativa.

DECISÃO:

Por tudo o exposto e em conformidade com o estabelecido no Protocolo de Brasília para a Solução de Controvérsias e seu Regulamento, no Protocolo de Ouro Preto e nas demais normas e princípios de direito internacional aplicáveis, este Tribunal Arbitral “ad hoc” chamado a deliberar sobre a controvérsia apresentada nestes procedimentos, RESOLVE POR UNANIMIDADE:

I - Declarar que a República Federativa do Brasil está em uma situação de descumprimento com relação à obrigação imposta pelos artigos 38 e 40 do Protocolo de Ouro Preto e à incorporação em seu ordenamento jurídico interno das disposições contidas nas Resoluções GMC Nº 48/96, 87/96, 149/96, 156/96 e 71/98.

II - Dispor que a República Federativa do Brasil deverá, em um prazo máximo de 120 dias contados a partir da data de notificação do presente laudo, incorporar a seu ordenamento jurídico interno as Resoluções GMC Nº 48/96, 87/96, 149/96, 156/96 e 71/9 8, e, se for necessário, adotar as medidas e ditar as normas jurídicas internas que garantam a efetiva aplicação destas normas, sem prejuízo de seu direito a aplicar, nos casos concretos e específicos em que tal medida couber, as restrições autorizadas pelo artigo 50 do Tratado de Montevidéu de 1980.

III - Dispor que as custas e custos deste procedimento arbitral sejam pagos da seguinte maneira: cada Estado Parte se encarregará das despesas e honorários ocasionados pela atuação do Árbitro por ele nomeado. A compensação pecuniária formada pelos honorários e gastos do Presidente, e os demais gastos do Tribunal serão pagos em montantes iguais por ambas as partes. Os pagamentos correspondentes serão realizados pelas partes através da Secretaria Administrativa do MERCOSUL dentro dos 30 dias posteriores à notificação deste Laudo. Cada parte arcará com as custas por sua ordem.

IV - Dispor que as atuações da presente instância sejam arquivadas na Secretaria Administrativa do MERCOSUL.

Dispor que, em conformidade com o artigo 21.2 do Protocolo de Brasília, as Partes têm 120 dias para cumprir o que determina o presente Laudo Arbitral.

Esta decisão deverá ser notificada às Partes por intermédio da Secretaria Administrativa do MERCOSUL e logo publicada.

 

Héctor Masnatta
Árbitro
  Guido Fernando Silva Soares
Árbitro
Ricardo Olivera García
Árbitro Presidente