OEA

Laudo do Tribunal Arbitral - Laudo IV

Laudo do Tribunal Arbitral relativas à controvérsia entre a República Federativa do Brasil (Parte Reclamante) e a República Argentina (Parte Reclamada), identificada como controvérsia sobre "Aplicação de Medidas Antidumping contra a exportação de frangos inteiros, provenientes do Brasil, Resolução Nº 574/2000 do Ministério de Economia da República Argentina"

Na cidade de Montevidéu, aos 21 dias do mês de maio do ano dois mil e um (2001).

TENDO EM VISTA: Para laudo as presentes atuações perante este Tribunal Arbitral relativas à controvérsia entre a República Federativa do Brasil (Parte Reclamante) e a República Argentina (Parte Reclamada), identificada como controvérsia sobre "Aplicação de Medidas Antidumping contra a exportação de frangos inteiros, provenientes do Brasil, Resolução Nº 574/2000 do Ministério de Economia da República Argentina".

Ordem do laudo.

O Tribunal estruturou a presente decisão arbitral da seguinte maneira:

SUMÁRIO

I.- Relátorio

I-A) O Tribunal Arbitral

I-B) Representação das Partes

I-C) Alegações das Partes

I-C-1) Reclamação da República Federativa do Brasil

I-C-2) Resposta da República Argentina

II.- Considerandos

II-A) A presente instância Arbitral

II-B) Questão Prévia

II-C) Objeto

II-D) Existência ou não de normas Mercosul que regulem expressamente a investigação de dumping e a aplicação de Medidas antidumping no comércio intrazona.

II-D-1) Normas invocadas

II-D-2) Alcance e vigência

II-D-3) Obrigatoriedade e vigência

II-D-4) Considerações específicas sobre as normas às quais as Partes envolvidas nesta controvérsia atribuíram ênfase especial: DEC CMC Nº 18/96 e 11/97

II-D-5) Normas O.M.C.

II-D-6) Conclusão sobre a normativa expressa Antidumping.

II-E) O Direito aplicável na ausência de normas Mercosul que regulem expressamente o regime antidumping intrazona

II-E-1) Princípio geral

II-E-2) Referência específica ao dumping no TA

II-E-3) O dumping em uniões aduaneiras e áreas de livre comércio

II-E-4) Conclusões sobre o direito aplicável

II-F) Conseqüências e aplicação ao caso dos autos

II-F-1)Características e finalidade das medidas antidumping

II-F-2) A utilização indevida das medidas antidumping com desvio de poder

II-F-3) Análise do procedimento antidumping aplicado no caso a fim de determinar se há desvio de poder

II-F-3-a) Breve cronologia das etapas do procedimento

II-F-3-b) Aspectos do trâmite da investigação de dumping

II-F-3-c) Conclusões sobre o modo como foi levado a cabo o procedimento antidumping

II-F-4) Conclusões sobre as conseqüências e a aplicação ao caso de autos

III.- Conclusões

IV.- Decisão


Algumas abreviaturas

AD OMC Acordo sobre a aplicação do artigo VI do GATT 1994 (Acordo Antidumping da OMC).
CCM Comissão de Comércio do Mercosul.
CMC Conselho do Mercado Comum
DEC CMC Decisão do Conselho do Mercado Comum.
DCE Departamento de Concorrência Desleal (República Argentina)
DIR CCM Diretriz da Comissão de Comércio do Mercosul.
EPM Estados Partes do Mercosul.
GMC Grupo Mercado Comum
ME Ministério de Economia da República Argentina
MN Marco Normativo do Regulamento Comum Relativo à Defesa contra Importações Objeto de Dumping Provenientes de Países Não Membros do Mercosul.
PB Protocolo de Brasília sobre Solução de Controvérsias no Mercosul.
POP Protocolo de Ouro Preto.
RT Restrições Tarifárias
RES GMC Resolução do Grupo Mercado Comum.
RNT Restrições Não Tarifárias
SAM Secretaria Administrativa do Mercosul.
TA Tratado de Assunção
TM 80 Tratado de Montevidéu de 1980

I.- RELATÓRIO

I-A) O Tribunal Arbitral

1) O Tribunal Arbitral constituído em conformidade com o Protocolo de Brasília para a Solução de Controvérsias no Mercosul (PB), de 17 de dezembro de 1991, está formado pelos árbitros Dr. Juan Carlos Blanco (da República Oriental do Uruguai, presidente). Dr. Enrique Carlos Barreira (da República Argentina) e Dr. Tércio Sampaio Ferraz Junior (da República Federativa do Brasil)

2) O Presidente foi notificado de sua nomeação pela Secretaria Administrativa do Mercosul (SAM) em 28 de fevereiro de 2001 e o Tribunal constituído, instalado e posto em funcionamento em 7 de março de 2001. Na mesma data, o Tribunal adotou suas Regras de Procedimento. As Partes foram convidadas para designar seus respectivos Representantes e constituir seus domicílios legais. O Tribunal convidou-as também a submeter por sua ordem os trabalhos escritos de apresentação (Reclamante) e de contestação (Reclamada).

3) As representações foram credenciadas e os domicílios constituídos. Os trabalhos escritos foram apresentados e recebidos pelo Tribunal dentro dos prazos previstos, o qual participou o conteúdo de cada trabalho a ambas as Partes. As provas documentais apresentadas por cada Parte foram admitidas, comunicadas à outra Parte e anexadas ao expediente.
Na audiência oral celebrada na Cidade de Assunção, no dia 3 de maio de 2001, o Tribunal recebeu o depoimento da Licenciada Mirían Segovia, Vice-ministra de Comércio da República do Paraguai, apresentada pela Parte Reclamada, com a presença de ambas as Partes, as quais formularam perguntas à testemunha. Na mesma audiência oral as Partes foram ouvidas, de acordo com o artigo 15 das Regras de Procedimento, e apresentaram um resumo escrito de suas respectivas exposições.

4) As notificações e comunicações do Tribunal às Partes, assim como a recepção das comunicações e dos trabalhos escritos das Partes, foram realizadas por intermédio da SAM.

5) No dia 10 de abril de 2001, o Tribunal decidiu fazer uso da prorrogação por trinta dias do prazo para expedição, notificando as Partes de tal decisão, em conformidade com o artigo 20 do Protocolo de Brasília (PB) e com o artigo 17 (1) das Regras de Procedimento.

6) As atuações do Tribunal que antecedem este Laudo Arbitral, consignadas nas Atas e anexos às Atas de acordo com as Regras de Procedimento, seguem anexas a estes autos.

I-B) Representação das Partes

7) A República Federativa do Brasil designou o Sr. Carlos Márcio Bicalho Cozendey como seu Representante e a República Argentina conferiu o mesmo cargo ao Lic. Adrián Makuk, designando a Contadora Valeria Raiteri como sua Representante Suplente. (*)

I-C) Alegações das Partes

I-C-1) Reclamação da República Federativa do Brasil

8) O escrito de apresentação do Brasil compreende uma parte destinada a antecedentes e elementos de fato e outra dedicada à fundamentação jurídica de sua posição. Esta parte, por sua vez, está dividida em duas seções, sendo a primeira respeitante a aspectos preliminares e a segunda a inconsistências legais. Logo a seguir, inclui um capítulo de resumo e conclusões, encerrando o escrito com o petitório ao Tribunal.

Antecedentes e elementos de fato

9) O Brasil considera que a Resolução ME 574/2000 e os procedimentos de investigação antidumping em que se baseia, não são compatíveis com a normativa Mercosul sobre investigação e aplicação de direitos antidumping no comércio entre os Estados Partes do Mercosul (EPM).

10) Assinala que a Parte Reclamada respondeu negativamente ao pedido de negociações bilaterais, segundo o artigo 2º do PB, por considerar que tais investigações deviam ser conduzidas de acordo as legislações nacionais dos EPM, e que portanto não estariam incluídas no âmbito de aplicação do PB. O Brasil, além de reiterar sua posição, replicou que não cabia à Argentina julgar unilateralmente a aplicabilidade ou não do PB, e promoveu então a segunda etapa do sistema de solução de controvérsias perante o Grupo Mercado Comum (GMC), a qual foi concluída sem uma solução satisfatória. Logo, solicitou à SAM a constituição de um tribunal arbitral. (24-01-01).

11) O Brasil entende que não existem os elementos necessários para aplicar medidas antidumping no caso dos autos e que tampouco foram respeitados os procedimentos para a investigação do suposto dumping. O direito antidumping foi aplicado na forma mais restritiva como preços mínimos de exportação em vez de direitos ad valorem, tendo como resultado, em determinadas situações, um direito maior que a margem de dumping.
As exportações brasileiras de frangos inteiros congelados para a Argentina caíram a partir da publicação da Resolução ME 574/2000: 22,55% no ano 2000 com redução em volume e preço e, a partir da aplicação do direito, 70% ao mês em comparação com os meses correspondentes do ano anterior, levando o comércio bilateral do produto a seu mais baixo nível histórico. 15) Os problemas da indústria argentina de frangos foram ocasionados pela queda do preço do produto no mercado mundial e pelo aumento da oferta da própria indústria doméstica, cuja produção apresentou um aumento de 23% nos últimos quatro anos. Pressionada por esses fatores, a indústria argentina representada pelo Centro de Empresas Processadoras Avícolas (CEPA), procurou restringir as importações oriundas do Brasil.

12) A utilização excessiva ao longo dos últimos anos do instrumento do antidumping pela Argentina contra as exportações do Brasil, parece denotar um rumo protecionista que, além de atender aos setores requerentes, contraria o espírito da União Aduaneira de eliminar as barreiras não tarifárias ao comércio entre os sócios. Um estudo elaborado pela Aladi revela que a Argentina é o vice-líder regional na aplicação de direitos antidumping e que o Brasil é o país do mundo mais afetado por essa medida. Por outro lado, o Brasil não mantém nenhum direito antidumping contra a Argentina. Em investigações recentemente abertas na Argentina, o Brasil identificou procedimentos que não estão de acordo com regras correspondentes, tanto para a abertura como para a condução da investigação.

Fundamentação Jurídica

Aspectos Preliminares

13) As duas vertentes fundamentais para caracterizar o Mercosul como uma União Aduaneira são, por um lado, a liberalização do comércio entre os EPM com a eliminação das restrições tarifárias e não tarifárias e, por outro, a adoção de políticas comerciais comuns frente a terceiros países (TEC). Todas as decisões nos âmbitos institucional e econômico estão dirigidas ao aperfeiçoamento desses aspectos.

14) Os EPM vêm realizando esforços para a defesa da indústria doméstica do Mercosul frente a terceiros e, internamente, para eliminar as medidas antidumping e harmonizar as políticas de subsídios. Enquanto isto não ocorre, cada EPM aplica suas próprias medidas de acordo com as regras da OMC e com os parâmetros definidos para a região pelas Decisões CMC 11/97 (Marco Normativo de Antidumping) e 29/00 (Marco Normativo de Subsídios).

15) Conforme a doutrina, as medidas antidumping são incompatíveis com esquemas de integração regional e, segundo o artigo XXIV.8 (a) (i) do GATT 1947 uma união aduaneira implica a eliminação das tarifas e de outras regulamentações restritivas do comércio entre os territórios que a compõem. As medidas antidumping do artigo VI do GATT evidentemente são restritivas do comércio e, ademais, não são mencionadas entre as exceções ao artigo XXIV. Enquanto o Mercosul não concluir o processo para eliminá-las, os EPM como membros da OMC estão regidos pelo Acordo sobre Implementação do artigo VI do GATT 1994 (AC-OMC) e pela interpretação comum do mesmo contida na DEC CMC 11/97 (Marco Normativo, MN).

16) Basta a interpretação literal do artigo 1º do PB e do artigo 43 do Protocolo de Ouro Preto (POP) para comprovar que a divergência sobre a interpretação de normas do Mercosul é elemento central e suficiente para a aplicação do sistema de controvérsias do Mercosul. As diferentes posições assumidas pelo Brasil e pela Argentina evidenciam um conflito de opiniões que caracteriza uma controvérsia conforme foi definida pelo Tribunal Arbitral ad hoc relativo à “Aplicação de medidas de salvaguarda sobre produtos têxteis”.

17) A apreciação do alcance e da validade das normas Mercosul aplicáveis ao caso dos autos requer uma ampla tarefa de interpretação a partir de uma visão integradora com as normas e princípios do direito internacional (Tribunal Arbitral ad hoc sobre existência de subsídios às exportações de carne de porco e artigo 19 do PB). A Convenção de Viena sobre Tratados indica que um tratado deve ser interpretado segundo o bom senso de seus próprios termos, dentro de seu contexto e à luz de seu objeto e sua finalidade, que devem ser vistos como uma regra holística de interpretação. Em sentido estrito, será a interpretação teleológica a que poderá contribuir para revelar a perspectiva real das questões controversas. Os fins deverão ser caracterizados normativamente.

18) O artigo 1° do Tratado de Assunção (TA) caracterizou esses fins ao afirmar que o Mercado Comum implica a livre circulação de bens através da eliminação dos direitos aduaneiros e das restrições não tarifárias à circulação de mercadorias ou de qualquer outra medida de efeito equivalente. O artigo 4°, por sua vez, prevê a aplicação das legislações nacionais para inibir as importações de terceiros estados cujos preços estejam influenciados por dumping e, paralelamente, a elaboração de normas comuns sobre concorrência comercial pelos EPM. Ao não haver menção ao dumping intrazona, pode-se deduzir, a partir da redação desses artigos, que o objetivo era adotar normas harmonizadas para dumping e subsídio extrazona, ao passo que no âmbito interno sua eliminação estaria restrita ao contexto da eliminação das restrições não tarifárias. Esta leitura concorda com a doutrina do comércio internacional e com a própria evolução do tema no Mercosul, conforme pode-se apreciar nas Decisões do CMC N° 18/96, 11/97, 28/00, 31/00, 64/00 e 66/00.

19) O Mercosul já atingiu o nível de área plena de livre comércio e, eliminadas as tarifas, os esforços se concentram nas restrições não tarifárias ao comércio recíproco. O Tribunal Arbitral relativo às salvaguardas sobre produtos têxteis afirma que sua interpretação estará em concordância com estes propósitos que representam o objeto e a finalidade dos acordos de base do Mercosul. Por sua vez, o Tribunal Arbitral sobre Comunicados Decex assinala que a controvérsia deve ser resolvida sob a perspectiva do conjunto normativo do Mercosul, interpretando-o à luz das relações recíprocas que emanam desse conjunto de normas e dos fins e objetivos que os EPM assumiram ao adotarem essas normas. O próprio Tribunal afirma que no processo dinâmico da integração devem ser usados os meios para alcançar esses fins.

20) O Mercosul legislou sobre a defesa comercial desde seu início. A evolução das normas sobre a aplicação de medidas antidumping intrazona proporciona a base para resolver a presente controvérsia. O Brasil cita as seguintes normas: DEC CMC Nº 3/92 (extrazona), DEC CMC Nº 7/93 (extrazona), RES GMC 63/93 (intrazona), RES GMC Nº 108/94 (extrazona), RES GMC 129/94 (intrazona), DIR CCM Nº 05/95 (intrazona), DEC CMC Nº 18/96 (Protocolo de Defesa da Concorrência), DEC CMC Nº 11/97 (Marco Normativo do Regulamento Comum Relativo à Defesa contra Importações Objeto de Dumping provenientes de Países não Membros do Mercosul- MN), DEC CMC Nº 28/00 (Defesa Comercial da Concorrência) e DEC CMC Nº 64/00 (Defesa Comercial e da Concorrência).

21) A RES GMC N° 63/93 estabeleceu um procedimento para o intercâmbio de informações no caso de investigação de dumping intrazona, prorrogado pela RES GMC N° 129/94 até a aprovação do Estatuto Comum de Defesa da Concorrência, dispondo que enquanto essa condição não for cumprida serão aplicados os sistemas nacionais até a aprovação do regulamento comum para a investigação de dumping extrazona. Isso mostra a intenção de estender ao comércio intra-regional as regras definidas para a defesa frente ao dumping extrazona, para que os sócios do Mercosul não tenham um tratamento menos favorável que o recebido por terceiros.

22) A DEC CMC Nº 18/96 indica a vontade de substituir o antidumping intrazona pelo Protocolo Comum de Defesa da Concorrência, razão pela qual prorrogou-se através da citada RES GMC N° 129/94 o regime de intercâmbio de informações. O Brasil expressa que a meta de resolução de questões de concorrência desleal mediante instrumentos de defesa da concorrência e não de defesa comercial (antidumping e compensatórias) foi obstada pela Argentina que insistiu em manter o antidumping no comércio intrazona. O artigo 2º prevê que as investigações de dumping intrazona sejam feitas até 31 de dezembro de 2000 de acordo com as legislações nacionais.

23) A DEC CMC Nº 11/97 aprova o Marco Normativo (MN) que faz uma interpretação comum aos quatro EPM do Acordo Antidumping da OMC (AD-OMC) e que contém matizes "Mercosul" com respeito a este. Os artigos 3º e 9º da DEC CMC N° 11/97 definem a regra vigente no Mercosul para o dumping extrazona e intrazona. Segundo o artigo 3º, enquanto não for aprovado o Regulamento Comum Antidumping, os EPM aplicarão às importações objeto de dumping oriundas de países extrazona a legislação nacional e, caso necessário, farão ajustes para harmonizá-la com o MN. Segundo o artigo 9º, nas investigações antidumping intrazona, aplicar-se-á a DEC CMC N°18/96 "em consonância com o estabelecido no artigo 3º". Deste modo, o tratamento do antidumping no Mercosul passa de um intercâmbio informativo à exigência da conformidade da legislação nacional com o MN para terceiros países. O Regulamento Comum não foi aprovado porque não foram definidas as instâncias e competências dos órgãos Mercosul responsáveis por investigar e decidir, mas já está pronta e é aplicada a negociação técnica sobre o modo em que se deve investigar e aplicar as medidas antidumping.

24) O Brasil conclui, a partir do exame da evolução normativa, que há normas Mercosul sobre aplicação de medidas antidumping ao comércio intrazona e que o tema não está entregue à discricionariedade das partes como pretende a Argentina. Desde 1997, a aplicação de medidas antidumping intrazona deve ser feita em conformidade com o MN que reflete o entendimento comum dos EPM sobre as regras e procedimentos estabelecidos no AD-OMC.

25) A vigência das normas do Mercosul está disciplinada pelos artigos 9º, 38, 40, 41 e 42 do POP e pela DEC CMC Nº 23/00. As Decisões do CMC são obrigatórias e formam a base da fonte jurídica do Mercosul. Os EPM são responsáveis pela adoção das medidas necessárias para assegurar o cumprimento das normas. As normas podem precisar ser incorporadas ao ordenamento jurídico nacional ou não ("quando for necessário", diz o artigo 42 do POP). A vigência simultânea das normas em todos os EPM se obtém através das regras do artigo 40 do POP. A DEC CMC Nº 23/00 estabelece que não precisam ser incorporadas as normas relativas à organização e ao funcionamento do Mercosul e aquelas cujo conteúdo estiver contemplado na legislação nacional dos EPM. O MN é uma interpretação consentida de um acordo já vigente e incorporado pelos EPM a seus respectivos ordenamentos jurídicos (AD-OMC). Por outro lado, a DEC CMC N° 11/97 estabelece disciplinas de aplicação imediata distintas da aplicação do marco como instrumento de política comercial comum. Tais disciplinas não foram incorporadas porque os EPM já haviam incorporado a seus respectivos ordenamentos os resultados da Rodada Uruguai do GATT, que incluía o AD-OMC.

26) No quadro da SAM sobre normas incorporadas, com referência à DEC CMC N° 11/97, a Argentina consigna "Incorporada. Lei 24.425. Acordo OMC" e o Brasil "Não incorporada. Para sua incorporação é necessária a aprovação do Regulamento Comum". Ou seja, significa que para o Brasil a incorporação só será necessária quando for aprovado o Regulamento. Logo, ao ser formulada a presente controvérsia modificou a anotação para "Status de norma sob solução de controvérsias". A Argentina admitiu, na Comissão de Comércio do Mercosul (CCM), a vigência da DEC CMC N° 11/97 ao responder com uma nota técnica a uma consulta do Brasil. Este fato, somado à indicação da Argentina para o quadro SAM de incorporação de normas, constitui prática subseqüente nos termos da Convenção de Viena sobre os Tratados. Uma interpretação diferente tornaria aplicável para a Argentina o princípio de estoppel, ou seja, a proibição de venire contra factum proprium. A comparação dos textos do MN e do AD-OMC mostra que por sua coincidência não é necessária a incorporação como indica a Argentina em sua nota para o quadro SAM de incorporações.

27) A DEC CMC Nº 18/96 que, segundo a Argentina, é a única norma Mercosul aplicável ao caso, foi incorporada pelo Brasil e pelo Paraguai. Portanto, não está vigente como um todo. Contudo, isto não impede que os EPM apliquem os artigos 2º e 3º da mesma em cumprimento do princípio de boa fé e a fim de não frustrar o objeto e a finalidade da norma aprovada. Não é compreensível a posição argentina de considerar vigente a RES GMC N° 18/96 (aprova um tratado internacional) e não vigente a 11/97 (cristaliza uma interpretação comum). Se vêm sendo aplicados normalmente e de boa fé aspectos da DEC CMC N° 18/96, com mais razão ainda cabe aplicar a 11/97.

28) Se fosse considerado que ambas as resoluções necessitam a aprovação dos quatro países e sua notificação à SAM para estarem formalmente vigentes, estaria configurada uma situação de inexistência de normas específicas sobre a aplicação de medidas antidumping intrazona. Neste caso a norma aplicável seria o Tratado de Assunção (TA) no qual os EPM se comprometem a eliminar as restrições tarifárias e não tarifárias. Nesta hipótese, sendo o direito antidumping uma restrição não tarifária, estaria proibido no Mercosul a partir de 31 de dezembro de 1999 segundo as conclusões do Tribunal Arbitral sobre o Comunicado 37 Decex. Ao não mediar uma modificação expressa dos objetivos e fins estabelecidos por uma norma de igual hierarquia, aqueles permanecem como uma referência estável da qual depende a consolidação das correntes comerciais.

29) Nenhuma norma autoriza os EPM a utilizarem o instrumento do antidumping em prejuízo do objetivo principal da eliminação das restrições tarifárias e não tarifárias ao comércio recíproco. As disposições das Decisões 16/96 e 11/97 caracterizam uma situação transitória na qual aplica-se, em certas condições, o instrumento antidumping intrazona. Se tais decisões estivessem desprovidas de efeitos jurídicos, não poderiam ser aplicados direitos antidumping ao comércio recíproco.

Inconsistências legais

30) As normas do AD-OMC foram trazidas ao acervo normativo comunitário pela DEC CMC N° 11/97 (Marco Normativo, MN). Sendo o MN por definição do artigo 1º conforme ao AD-OMC, o descumprimento daquele implica o descumprimento deste. Ademais, ainda que as disciplinas do MN não fossem aplicáveis por alguma fundamentação jurídica que as excluisse, seriam aplicáveis as normas do AD-OMC em virtude do artigo 19 do PB como “princípios e disposições do direito internacional aplicáveis na matéria”. As normas do AD-OMC são obrigatórias para os membros da OMC, entre os quais acham-se os EPM.

31) O processo de aplicação de medidas antidumping no caso apresenta inconsistências com as normas aplicáveis:

32) --- Relativas à abertura da investigação (determinação de existência de elementos de prova suficientes da prática de dumping), as inconsistências se referem ao artigo 35 do MN (art. 5.3 do AC-OMC) e ao capítulo III do MN (art. 2º AD-OMC):
A Argentina não verificou a representatividade da amostra de preços de exportação apresentada na petição; não confrontou tal informação com outras fontes disponíveis; selecionou dados referentes a um período diferente ao da informação sobre preço normal fornecida pelo peticionário; não avaliou a pertinência do ajuste proposto pelo peticionário que não se baseia em evidência alguma sobre a diferença de preços no Brasil para o frango com ou sem pés e cabeça, mas sim tomando como base a alegada diferença física de rendimento entre os frangos de produção argentina e brasileira; não levou em consideração outras diferenças entre o produto exportado pelo Brasil (frango congelado) e aquele que serviu de base para o preço normal (frango resfriado); utilizou uma metodologia sinuosa não compatível com o MN para determinar a base de dumping, pois selecionou apenas operações de exportação cujo preço era inferior ao normal (o valor normal médio ponderado deve ser comparado com a média ponderada de todas as transações comparáveis); não tornou a avaliar os indícios de dumping à luz das novas informações sobre o preço normal fornecidas pelo peticionário.

33) --- Relativas à abertura da investigação (Determinação da existência de elementos de prova suficientes de dano à indústria doméstica), as inconsistências se referem aos artigos 35 e 42, capítulos IV e V do MN (arts. 5º.3, 5º.7, 3º e 4º do AD-OMC):
A Argentina não procedeu ao exame adequado dos elementos de prova apresentados na petição já que: não definiu a indústria doméstica a ser analisada; analisou indicadores correspondentes a grupos distintos durante períodos do ano não coincidentes; não avaliou os preços das exportações brasileiras no primeiro semestre de 1998 apesar de ter sido avaliada a taxa de crescimento dessas exportações no mesmo período; não considerou devidamente todos os elementos disponíveis como falta de correlação entre o comportamento das exportações brasileiras e os preços no mercado argentino; não proporcionou nenhuma indicação positiva da existência de dano que justificasse a abertura da investigação; na determinação da relação causal, analisou o efeito de importações a supostos preços de dumping em alguns meses de 1997 com uma situação de ameaça de dano em 1998 e não considerou outros fatores como o preço das exportações de outras origens; não procedeu ao exame objetivo do volume das exportações supostamente objeto de dumping e de seu efeito sobre os preços de produtos similares; para o exame do impacto sobre a indústria doméstica, analisou indicadores sobre amostras distintas de produtores; não considerou todos os elementos disponíveis para demonstrar o dano causado pelas importações; não examinou simultaneamente os elementos de prova relativos à existência de dumping e ao prejuízo causado pelo mesmo..

34) --- Relativas à decisão de abertura, as inconsistências se referem aos artigos 36.2 e 36.3 do MN (art. 5.7 do AD-OMC):
A Argentina não observou o MN ao não arquivar o processo quando a Comissão Nacional de Comércio Exterior determinou a inexistência de dano ou de ameaça de dano e não agiu em conformidade com o MN ao decidir dar início à investigação apesar de que a determinação posterior da CNCE foi de possibilidade de indícios de ameaça de dano.

35) --- Relativa ao fato de que a petição não foi trasladada, a inconsistência refere-se aos artigos 50.3 e 105 do MN (art. 6.3 do AD-OMC):
A Argentina não forneceu cópia da petição ao Governo nem aos exportadores brasileiros e, conseqüentemente, cerceou o direito de defesa das partes interessadas.

36) --- Relativas à determinação do dumping, as inconsistências referem-se aos capítulos II e VII do MN (arts. 2º e 6º do AD-OMC):
Sobre os procedimentos, a Argentina impôs um ônus excessivo às partes ao requerer informação de um período que compreendia os anos de 1996 a 1998 e os meses disponíveis de 1999, sendo que a investigação somente abarcava o período de janeiro de 1998 a janeiro de 1999; tampouco utilizou a informação que havia solicitado apesar de que esta foi fornecida a tempo, nem deu oportunidade aos exportadores brasileiros de fornecer informações a este respeito.
Sobre a determinação final da existência de dumping, o relatório de determinação definitiva não esclarece se a comparação entre valor normal e preço de exportação levou em consideração todos os ajustes necessários para torná-los comparáveis (por exemplo, não houve nenhum ajuste que tornasse comparável o frango congelado ao frango resfriado); a comparação foi feita em diferentes níveis de carga tributária e sem considerar se os frangos eram vendidos com ou sem miúdos; não há qualquer referência aos tipos de frango que estavam sendo comparados (congelados e resfriado, com ou sem miúdos); o ajuste de 9,09 % imposto pelas autoridades argentinas é improcedente pois considera apenas a existência ou não de pés e cabeça.

37) --- Relativas à determinação do dano e da causalidade, as inconsistências referem-se aos capítulos IV e V do MN (arts. 3º e 4º do AD-OMC):
As autoridades argentinas definiram uma indústria doméstica não representativa sobre a qual foi calculado o dano; não foram avaliados todos os indicadores de dano relacionados no artigo 22 do MN e os indicadores tomados se referem a períodos distintos; adicionalmente, não foram consideradas para a avaliação do dano as exportações das empresas às quais não foi atribuído o dumping. Os elementos de prova considerados não permitem concluir que a indústria doméstica sofreu dano no período de avaliação. Coincide com esta conclusão o diretor Baracat da CNCE.

38) --- Relativas à divulgação incompleta da determinação final, as inconsistências referem-se ao artigo 96 do MN (art. 12.2 do AD-OMC):
O relatório de determinação definitiva não explica porque não foram aceitas as informações apresentadas pelas empresas exportadoras brasileiras; nem a resolução ME 574/2000 nem os relatórios separados justificam a metodologia utilizada na determinação e na comparação do preço de exportação com o valor normal, nem as razões pelas quais não se aceitaram diversas informações disponíveis; na determinação final do dano não há explicação sobre a utilização de períodos diferentes para a análise dos indicadores de dano.

39) --- Relativa à imposição de direito antidumping em desacordo com o capítulo X do MN (art. 9.1 do AD-OMC):
A aplicação de um direito variável (alíquota específica) sem limite algum é contrária ao capítulo X do MN e, ao não definir um limite máximo compatível com a margem de dumping determinada na investigação, permite cobrar um direito superior à margem.

40) --- Relativa à valoração aduaneira, inconsistência com relação à DEC CMC Nº 17/94:

A Argentina não aplica o direito antidumping equivalente à diferença entre o valor mínimo FOB e os preços FOB de exportação declarados. A Aduana somente libera a importação quando o valor FOB declarado na documentação é igual aos valores mínimos de exportação especificados na resolução ME 574/2000.

Resumo e conclusões

41) Não existem os elementos necessários para aplicar às exportações brasileiras de frangos as medidas antidumping dispostas pela Resolução ME 574/2000. Tampouco foram respeitados os procedimentos legais existentes no Mercosul para a investigação de dumping. Desde a publicação de tal resolução, as exportações de frango sofreram uma forte queda.

42) A Argentina aplica em grande escala direitos antidumping. Tais medidas devem ser eliminadas nas uniões aduaneiras. A eliminação das restrições tarifárias e não tarifárias e, num plano mais específico, a do antidumping intrazona são, entre outros, fins do processo de integração.

43) A existência de divergências de interpretação entre o Brasil e a Argentina sobre a aplicação ou não de normas Mercosul justifica o acionamento do mecanismo de solução de controvérsias.

44) O antidumping intrazona se rege pelo MN aprovado pela CMC 11/97 . O MN é uma interpretação comum do Acordo Antidumping da OMC. As obrigações principais emanadas da DEC CMC N° 11/97 com respeito ao dumping intrazona consistem em aplicar a legislação nacional até 31-12-00, fazendo os ajustes que forem necessários para harmonizá-la com o MN. O mesmo regime rege para os casos extrazona.

45) Os EPM não adotaram medidas para a incorporação do MN a seus respectivos ordenamentos por serem sempre obrigatórias as decisões do CMC e porque as disciplinas específicas do MN já estavam incorporadas por todos como parte dos resultados da Rodada Uruguai que incluiam o AD-OMC.

46) A Argentina não agiu em conformidade com o MN ao não rejeitar o pedido de abertura da investigação. Não examinou adequadamente a existência de prova que justificasse o início da mesma. Não deu a conhecer a petição de investigação ao governo brasileiro nem aos exportadores. Na determinação final de dumping, não considerou os elementos proporcionados pelos exportadores brasileiros e não realizou os ajustes necessários para uma comparação justa. Não definiu corretamente a indústria doméstica para a determinação final de dano e não fez a análise de prova disponível. Para o nexo causal, considerou todas as importações de origem brasileira e não apenas as que estariam implicadas em dumping. Não se explicam as razões da não aceitação das informações fornecidas pelos exportadores brasileiros.

47) O direito antidumping permite cobrar um direito superior à margem de dumping. Os valores de referência para a valoração aduaneira não respeitam a norma Mercosul correspondente.

Pedido ao Tribunal

48) O Brasil solicita ao Tribunal que, levando em conta os fatos e fundamentos jurídicos expostos, declare o descumprimento pelo governo argentino das normas que indica – que são as referidas no capítulo sobre inconsistências legais – e que, por conseguinte, ordene ao governo argentino a revogação, em um prazo de quinze dias, (art. 21.2 PB), da Resolução ME 574/2000.

I-C-2) Resposta da República Argentina

49) O escrito de resposta da Argentina se divide em: questão prévia, síntese dos fundamentos para rejeitar a reclamação, antecedentes, rejeição dos argumentos do Brasil, argumentos nos quais a Argentina fundamenta sua posição, argumentos em subsídio sobre o processo de investigação que derivou na Resolução ME 574/2000, oferecimento de prova e petitório.

Questão prévia

50) A Argentina entende que o Tribunal deve atender como questão prévia a existência ou não de normativa Mercosul que regule a investigação de dumping e a aplicação de direitos antidumping no comércio intrazona. Se o Tribunal chegasse à conclusão de que tal normativa existe, deveria manifestar-se sobre a aplicabilidade da mesma à presente controvérsia. Portanto, pede que o Tribunal se manifeste a tal respeito antes de tratar as questões formuladas pelo Brasil com relação ao processo que levou à Resolução ME 574/2000. Solicita ao Tribunal que, caso este esteja de acordo com a posição argentina quanto à inexistência de normas Mercosul que concedam ao Tribunal a competência para rever os procedimentos sobre dumping e a aplicação de direitos antidumping intrazona regidos e aplicados integralmente pelo direito nacional de um Estado Parte, dê por encerrada sua atuação.

51) Caso a questão não seja resolvida previamente, solicita que o faça em conjunto com as argumentações restantes apresentadas na resposta. Na eventualidade de que o Tribunal entenda que cabe analisar os procedimentos de investigação, solicita que este se pronuncie sobre qual é a normativa Mercosul que dá competência aos Tribunais Arbitrais para procederem à revisão da aplicação de direitos antidumping intrazona.
Somente para o caso hipotético em que o Tribunal considere que há disciplinas comuns Mercosul em matéria de dumping intrazona, a Argentina apresenta como subsídio argumentos que demonstram que o procedimento foi seguido conforme o direito.

Síntese dos fundamentos argentinos

52) Os procedimentos de investigação antidumping e a Resolução Nº574/2000 não estão sujeitos à normativa Mercosul, mas estão regulados pela legislação nacional. A resignação da potestade de aplicar a legislação nacional tem de ser expressa, o que não ocorre neste caso. Nenhuma norma Mercosul ou nacional habilita um Tribunal Arbitral do Mercosul a rever procedimentos adotados por um EPM sob sua legislação nacional.

53) A DEC CMC Nº 11/97 não está vigente pois os EPM não a incorporaram a seus ordenamentos. Ao não estar vigente, não há norma vinculatória para os EPM. O MN é apenas uma base para negociar o regulamento comum e tampouco está vigente. Ademais, o MN não é operacional porque lhe falta a estrutura institucional. O MN excede de ser uma cópia do AD-CMC e possui um alcance territorial distinto.

54) A DEC CMC N° 11/97 não havia sido aprovada quando deu-se início ao procedimento que motiva as presentes atuações. Tal decisão do CMC nunca foi aplicada pelos EPM, nem mesmo pelo Brasil que não a levou em conta em atuações anteriores

55) O Tribunal não deve considerar normativa alguma da OMC visto que não há nenhuma norma Mercosul que assim o decida.

56) A consideração do procedimento por dumping que concluiu com a Resolução Nº 574/2000 não cai no âmbito material de aplicação do PB. Em todo caso, a Argentina afirma que esse procedimento foi realizado conforme a lei. Recorda também que há vários recursos administrativos e judiciais em andamento perante as autoridades argentinas correspondentes.

Antecedentes e comentários

57) A Resolução ME 574/2000, que dispôs a aplicação de direitos antidumping às exportações de carnes de frango com origem no Brasil, foi ditada logo após o cumprimento de todos os procedimentos dispostos pela normativa nacional vigente (Lei 24.425 e Decreto 2121/94). Os EPM preservaram, no âmbito de suas competências, o relativo ao dumping intrazona conforme indica o artigo 2º da DEC CMC Nº 18/96 que estabelece que as investigações ao respeito serão efetuadas de acordo com as legislações nacionais. Por sua vez, a DEC CMC Nº 28/2000 reconhece a ausência de normas Mercosul ao encomendar ao GMC a preparação de uma proposta ao respeito e a DEC CMC Nº 11/97, embora o MN não seja operacional, ratifica a aplicação das legislações nacionais.

58) Estes critérios foram transmitidos ao Brasil em resposta à formulação para realizar Negociações Diretas no âmbito do PB para a solução de controvérsias, assinalando que, por tratar-se de um assunto submetido à legislação nacional, não cabia o procedimento sob o PB e, por conseguinte, rejeitando a realização de Negociações Diretas.

59) Por conseqüência, não admite que tenha objetivado obstar o procedimento do PB, mas impedir um uso abusivo do mesmo. Outrossim, nega que tenha pretendido uma delimitação unilateral do objeto da controvérsia, já que este é determinado pelos trabalhos escritos de apresentação e de resposta, segundo o Regulamento do PB (art. 28).

Rejeição dos argumentos apresentados pelo Brasil

Nega que a faculdade de impor medidas antidumping seja incompatível com o atual esquema de integração.

60) Não existe normativa antidumping intrazona no direito oriundo do Mercosul. O tema foi abordado no direito derivado com um alcance restringido ao intercâmbio informativo e à remessa às legislações nacionais. Porém está contemplado o dumping extrazona, aplicando-se a legislação nacional e procurando-se negociar um regime comum.

61) As medidas antidumping não constituem restrições não tarifárias, portanto sua eliminação não pode ser considerada implícita no artigo 1º do TA. São meios para corrigir as conseqüências de condutas desleais no mercado ampliado.

62) A análise do processo de integração feita pelo Brasil é incompleta. Os alicerces do Mercosul são todos aqueles definidos no artigo 1º do TA. Os EPM alcançaram em Ouro Preto compromissos programáticos sobre a defesa da concorrência (DEC CMC N° 21/94), dumping intra e extrazona (RES GMC N° 129/94) e políticas públicas que distorcem a competitividade (DEC CMC N° 20/94) que refletem equilibradamente os interess es de todos os sócios e devem ser considerados um conjunto integral. O Mercosul deve garantir condições eqüitativas aos agentes econômicos nesses campos e as assimetrias nessas matérias determinaram tensões. O dumping não pode ser considerado isoladamente dos demais aspectos. Conseqüentemente foi mantido na esfera particular dos EPM por vontade expressa dos mesmos.

63) O enfoque teleológico adotado em laudos anteriores, especialmente no primeiro e no terceiro, parte de normas em vigor do direito originário que tinham ficado em dúvida pela readequação do TA a partir de Ouro Preto. No caso dos autos, não existe direito originário aplicável e o direito derivado está subordinado à legislação interna. O Tribunal que não é um órgão do Mercosul não está habilitado para criar direito pelo caminho dos métodos interpretativos.

Nega o expresso pelo Brasil sobre o alcance do artigo XXIV (8) (a) (i) do GATT 1994.

64) O GATT não define "regulamentações comerciais restritivas". As medidas antidumping são ações contra práticas comerciais desleais e não constituem “regulamentações comerciais restritivas”. Portanto, não entram na previsão do artigo 1º do TA sobre restrições não tarifárias. A União Aduaneira não implica necessariamente a eliminação das medidas antidumping.

Nega que a DEC CMC Nº 11/97 seja uma interpretação comum do AD-CMC e que por isso os EPM estão obrigados a aplicar dentro do Mercosul este acordo.

65) O MN e o AD-OMC são instrumentos diferentes. O MN não é uma mera cópia do AD-OMC e ambos têm um alcance territorial diferente. O MN é uma base consentida para a negociação posterior do Regulamento Comum do Mercosul frente a terceiros países, não é uma interpretação do AD-OMC. A própria DEC CMC N° 11/97 está subordinada à legislação nacional. Não resulta, portanto, procedente o paralelismo feito pelo Brasil entre as disposições do AD-OMC e do MN.

Nega que a DEC CMC Nº 11/97 esteja vigente.

66) Não foi incorporada segundo o artigo 42 do POP e seu conteúdo não estava contemplado em legislações anteriores. O MN excede à Lei 24. 425 que incorporou o AD-OMC porque seu âmbito de aplicação é mais amplo. O MN carece da estrutura institucional necessária para ser operacional e é apenas uma base para as negociações do Regulamento Comum.
Não e aplicável a doutrina de acordos unifásicos que não requerem incorporação e adquirem vigência imediata. O artigo 3º da DEC N° CMC 11/97 manda adequar as legislações nacionais, o que exige o ditame de uma norma nacional.
Consta no quadro mantido pela SAM, o reconhecimento do Brasil do status dessa norma como não incorporada ("Não incorporada. Para sua incorporação se requer a aprovação do Regulamento comum”).
As disposições do corpo da DEC CMC N°11/97, entre as quais os artigos 3º e 9º, nunca foram incorporadas ao ordenamento interno dos EPM e, portanto, não se pode exigir seu cumprimento.

67) Isto não se contradiz com a invocação da Argentina quando recorre à DEC CMC N° 18/96. O artigo 2º, no respeitante às regislações nacionais, não requer incorporação. Reitera toda a normativa Mercosul ditada anteriormente e é ratificada pela DEC CMC N° 28/00. As normas da DEC CMC N° 11/97, ao contrário, ao modificarem a legislação nacional exigem incorporação. O instrumento anexo à DEC CMC N° 18/96 -o Protocolo de Defesa da Concorrência- obviamente requer incorporação para ter validade.

68) A afirmação do Brasil de que o TA seria aplicável se as DEC CMC N° 18/96 e N° 11/97 não estivessem vigentes não é correta. O artigo 2º da CMC 18/96 está vigente pois estabelece uma pauta que não requer incorporação. As normas pós-União Aduaneira (DEC CMC N° 28/00 e 64/00) confirmam a aplicação da legislação nacional ao dumping intrazona, que os EPM não renunciaram a este instrumento e que sua eventual eliminação seria gradual mediante instrumentos adequados. Também confirmam a falta de vigência da DEC CMC N° 11/97: não há referências à mesma nem ao MN, considerado uma tentativa frustrada. A situação é incomparável com a abordada pelo Tribunal Arbitral sobre Licenças não Automáticas. Resulta inaceitável a manifestação de que a falta de vigência das DEC CMC N° 18/96 e 11/97 impeça a aplicação de direitos antidumping ao comércio recíproco

Nega que sua ação posterior signifique reconhecer uma obrigação emanada da DEC CMC Nº 11/97.

69) A Nota Técnica argentina em resposta à consulta brasileira na CCM não reconheceu a vigência da DEC CMC N°11/97. A Argentina apenas declarou que não há contradição entre a Lei 24.425 e o MN. A aplicação do estoppel à conduta da Argentina é improcedente.

Argumentos sobre os quais a Argentina fundamenta sua posição.

Âmbito de aplicação do PB

70) Os temas capazes de gerar competência para a utilização dos procedimentos dos capítulos I a IV do PB se relacionam com a interpretação, a aplicação ou o descumprimento da normativa Mercosul, enumerada no artigo 1º do PB e designada pelo POP como fonte jurídica do Mercosul, especificada taxativamente no artigo 41.

Obrigatoriedade da incorporação das normas emanadas dos órgãos do Mercosul.

71) As normas emanadas dos órgãos do Mercosul são obrigatórias para os EPM e, quando necessário, deverão ser incorporadas aos ordenamentos jurídicos nacionais mediante os procedimentos previstos pela legislação de cada país (art. 42 POP). A obrigatoriedade não significa “aplicação imediata”, mas o compromisso de incorporação ao direito interno. A forma de incorporação dependerá do direito constitucional de cada um. O sistema de produção de normas no Mercosul, que é intergovernamental, não participa do sistema do direito comunitário europeu, no qual as normas penetram diretamente no ordenamento de cada país sem necessidade de serem incorporadas. A Argentina fornece opiniões doutrinárias nesse sentido, segundo as quais no Mercosul não rege a aplicabilidade imediata e sim um sistema próprio denominado “vigência simultânea” (art. 40 do POP). As normas que se referem ao funcionamento do Mercosul não exigem incorporação, como tampouco aquelas cujo conteúdo já estiver contemplado na legislação nacional (DEC CMC N° 23/00). A falta de incorporação de uma norma pode ser objeto de uma controvérsia no âmbito do PB por descumprimento do artigo 42 do POP.

Tratamento do dumping no Mercosul

72) Não existem normas Mercosul que regulem as investigações de dumping e a aplicação de medidas antidumping, havendo apenas a sujeição às legislações nacionais. Portanto as atuações referidas às exportações de carne de frango do Brasil à Argentina não podem ser avaliadas através do sistema de solução de controvérsias do PB.

73) O dumping intrazona é tratado em várias disposições (RES GMC N° 63/93, RES GMC N° 129/94, DIR CCM N° 5/95, DEC CMC N° 18/96 e DEC CMC N° 11/97) de cuja análise cabe concluir que os EPM subordinaram essa matéria a suas respectivas legislações nacionais.
O dumping extrazona é por sua vez tratado em várias disposições (DEC CMC N° 7/93, DEC CMC N° 9/95, DIR CCM N° 1/95, DIR CCM N° 9/97 e DEC CMC N° 11/97). Esta última não é aplicável à presente controvérsia: as medidas antidumping extra e intrazona estão sujeitas à legislação nacional, o MN não é operacional, o MN e o AD-OMC possuem âmbitos de aplicação territorial diferentes, a DEC CMC N° 11/97 não está vigente e na época do pedido de abertura da investigação por dumping ainda não tinha sido aprovada pelo CMC, além disso a conduta dos EPM quanto à aplicação de medidas antidumping corrobora a interpretação da Argentina.

74) A remissão à legislação nacional não significa que a obrigação dos respectivos Estados de observá-la emana da norma Mercosul. Cita a esse efeito a reclamação do Brasil perante a CCM tramitada em 1998 sobre a aplicação de direitos antidumping às exportações de fios sem capa de alumínio.
Um Tribunal Arbitral do Mercosul não tem competência para rever um processo administrativo ou judicial interno tramitado com base na legislação nacional.

75) O MN não é operacional pois carece de estrutura institucional e o Regulamento Comum que conteria a normativa complementar não foi aprovado.
O MN e o AD-OMC possuem âmbitos de aplicação diferentes. O primeiro supõe um território único de todo o Mercosul e o segundo, incorporado por cada EPM separadamente, refere-se ao território de cada um dos países. Na prática, os países se referem sempre à sua legislação nacional e não fazem menção ao MN. Tampouco fizeram qualquer adaptação de suas legislações nacionais ao MN

76) A DEC CMC Nº 11/97 não está vigente de todo, sequer parcialmente. Não foi incorporada de acordo com os artigos 40 e 42 do POP. As leis nacionais que incorporaram o AD-OMC não implicam a incorporação e a vigência da DEC CMC N° 11/97. Os artigos 3º e 9º da mesma constituem uma prescrição distinta não incluída no MN, nem contemplada na legislação anterior. Portanto, tampouco estão vigentes.

77) O petitório que deu lugar ao início do procedimento sobre dumping que motiva estas atuações é de 2 de setembro de 1997, data em que a DEC CMC N°11/97 ainda não havia sido aprovada. Não cabe a aplicação retroativa do MN.

78) Os EPM, na práctica, vêm aplicando sistematicamente suas respectivas legislações nacionais de maneira autônoma, tanto para o dumping extrazona como intrazona. Cita exemplos, inclusive do Brasil.

79) As normas adotadas no âmbito do relançamento do Mercosul são demonstrativas da ausência de normas comuns em matéria antidumping (DEC CMC N° 23/00 e 64/00).

80) O Tribunal Arbitral não tem competência para rever se os procedimentos internos da Argentina respeitam os standards da OMC, função que cabe primeiro às autoridades nacionais e logo aos mecanismos de solução de controversias na OMC.

Obrigatoriedade de esgotar os recursos locais.

81) A legislação argentina outorga os instrumentos necessários para a defesa dos interesses das partes em uma investigação de dumping, conforme as exigências do AD-OMC (art. 13). Existem, portanto, recursos administrativos e judiciais para impugnar as medidas que sejam ditadas e no caso dos autos, alguns dos exportadores brasileiros assim o fizeram, estando ainda pendentes de decisão alguns desses recursos. Não se configura tampouco o suposto de denegação de justiça. Por conseguinte, a apresentação do caso ante um tribunal internacional não é procedente. Cita a doutrina e a jurisprudência da Corte Internacional de Justiça e da Comissão Européia de Direitos Humanos.

Teoria dos atos próprios

82) A doutrina a define com o conceito de que "não é admissível a ninguém fazer valer um direito em contradição com sua conduta anterior”, que limita os direitos subjetivos fundamentando-se no dever de agir coerentemente. Seu fundamento último é a regra moral que se baseia na boa A teoria foi recebida em casos jurisprudenciais na Argentina: as partes não podem contradizer em juízo seus atos anteriores
O Brasil não invocou a aplicabilidade do MN na reclamação contra a Argentina sobre a aplicação de direitos antidumping às exportações brasileiras de fios sem capa de alumínio (1998), nem na investigação que iniciou contra a Argentina por dumping nas exportações de leite (1999).

Resignação de soberania

83) Uma cessão de soberania não pode ser presumida, devendo ser realizada de forma expressa e indiscutível. A faculdade de legislar é um dos direitos soberanos e para que um Estado admita dentro de sua jurisdição leis estrangeiras é necessário que dê seu consentimento expresso. Qualquer limitação das faculdades soberanas deve ser interpretada com critério restritivo e nos processos de integração o próprio objetivo do tratado não bastará para justificar nem ampliar funções ou competências. O mero fato de que em uma norma Mercosul se faça referência ou remissão às legislações nacionais não significa que estas passam a ser parte do acervo normativo Mercosul.

A República Argentina frente ao processo de integração do Mercosul.

84) A integração no Mercosul pode ser caracterizada como um processo, tendo como um de seus princípios a gradualidade. Esta é necessária em função das dificuldades de caráter econômico e jurídico que o processo apresenta aos EPM. A Argentina reitera que defende resolutamente a integração como o demonstra seu apoio aos progressos possíveis no âmbito do Mercosul. Lembra, a modo de exemplo, sua postura na questão da “dupla cobrança da TEC”. Não cabe acusar de obstrução a um Estado quando considera que em determinada matéria não estão dadas as condições que permitam um avanço e a conseguinte cessão da soberania.

Como subsídio, argumentos sobre o processo de investigação que derivou no ditame da Resolução ME 574/2000.

85) Apresenta fundamentações jurídicas e técnicas que demonstram o cumprimento da legislação nacional e responde aos argumentos do Brasil:

86) Inconsistências relativas à abertura de investigação – Determinação da existência de elementos de prova suficientes da prática de dumping:
A Autoridade responsável pela Aplicação procedeu à análise de toda a informação constante das atuações por ocasião da abertura da investigação. Na comparabilidade de preços, levou em conta os ajustes sobre os quais dispunha de elementos que permitiam sua consideração e efetuou tais ajustes.

87) Inconsistências relativas à abertura da investigação – Determinação da existência de prova suficiente de dano à indústria doméstica:
A "produção doméstica sob consideração" foi definida em conformidade com a normativa exigida pela OMC e foi claramente indicada nas Atas 405 e 464 da CNCE; as empresas consideradas não foram selecionadas pela CNCE sendo, nesta etapa, tomadas do conjunto das que se aderiram ao pedido aquelas que representavam naqueles momento 50% da produção nacional; não foi selecionada nenhuma empresa que não tenha apresentado informações; não houve modificaçoes da amostra e foram tomadas as mesmas empresas para analisar a condição da indústria; as comparações foram feitas entre períodos comparáveis para todos os indicadores; a ameaça de dano já estava configurada em 1997 quando as importações de frangos eviscerados do Brasil aumentaram 74,3% e os preços médios da amostra de empresas na Argentina estimados como receitas médias por venda caíram 4,6% naquele ano; a rentabilidade das empresas argentinas do ramo baixou três pontos percentuais (de 1,05 a 1,02); ocorreram fatos novos desde a primeira decisão da CNCE e a partir da segunda em termos de cota de mercado, preços e volume de importações; o menor preço das importações de outras origens não foi assim percebido pelo mercado, foi uma relação apenas nominal e esses outros valores não alteraram o preço médio das importações totais; a CNCE , em sua determinação da ameaça de dano, cumpriu estritamente as normas AD-OMC (art. 3º).

88) --- Inconsistência relativa ao acesso da petição:
Uma vez resolvida a abertura da investigação, notificou-se tal fato ao Brasil, solicitando-lhe sua colaboração para identificar os interessados brasileiros e pedir-lhes informações. Foi então convocada uma audiência à qual o Brasil não compareceu. Após a abertura da investigação, a Argentina pôs à disposição de todas as partes interessadas – exportadores, importadores e autoridades brasileiras- as autuações que haviam gerado o procedimento, dando cumprimento à obrigação de facilitar o acesso à informação a todos os interessados.

89) --- Inconsistência relativa à determinação de dumping:
A Autoridade responsável pela Aplicação procurou a mais ampla participação das partes interessadas, distribuindo questionários e formulários para reunir informação dos interessados e concedendo-lhes prazos adicionais para produzi-la. Para a determinação final da margem de dumping, analisou e considerou toda a informação constante dos autos. A amostragem estatística obteve como resultado, no caso de quatro empresas brasileiras, a fonte de informação para a determinação de suas respectivas margens de dumping. Tal procedimento estatístico permitiu incorporar a documentação de apoio a partir da qual foram determinadas as médias ponderadas. O ajuste de 9,09% utilizado se sustenta na metodologia de cálculo da entidade peticionária. A informação proporcionada por uma firma brasileira não foi considerada por carecer de documentação que a apoiasse. Tampouco houve material informativo algum em relação com a incidência do frango congelado e resfriado na determinação do valor normal. Houve uma participação tardia dos exportadores, importadores e do próprio governo brasileiro.

90) Inconsistências relativas à determinação de dano e de causalidade.
As empresas argentinas consideradas representavam no momento 46,2% da indústria, o que constitui uma proporção importante da produção para os procedimentos de dumping; as empresas consideradas foram 10 e não 6 como alega o Brasil; nas investigações por ameaça de dano, faz-se uma análise que abranje um período maior ao da investigação para indagar a existência ou não de uma tendência crescente das importações; o aumento das vendas da indústria local não indica a ausência de dano pois a sua cota de participação no mercado cai e, ao diminuirem os preços, cai também sua rentabilidade; a Autoridade responsável pela aplicação levou em conta a inexistência de dumping nas exportações de duas empresas brasileiras cujos preços médios FOB foram substancialmente superiores (13%) ao das empresas para as quais foi determinada a existência de dumping; as importações com dumping foram claramente majoritárias; a concorrência com frangos preparados não explica a queda de preço do frango inteiro: com freqüência são as mesmas empresas, o diferencial de preços é grande de modo que o desvio ao mercado de preparados não teria correlação no mercado de eviscerados; o preço da carne bovina ao consumidor aumentou 18% em 1998 ao passo que o preço da carne de frango diminuiu 9% nesse mesmo ano; a CNCE analisou os outros fatores de dano; a CNCE está composta por um presidente e dois membros com voz na deliberação que é aprovada por maioria, sendo que o voto em dissidência de um de seus membros não tem relevância jurídica.

91) Inconsistência por divulgação incompleta da determinação final:
A Autoridade Responsável pela Aplicação deu cumprimento aos requisitos de publicidade estabelecidos no artigo 12.2 do AD-OMC. Os 24 considerandos da Resolução ME 574/2000 expõem os fundamentos e os princípios de fato e de direito requeridos em tal norma.

92) Inconsistência na imposição do direito antidumping:
A modalidade de percepção do direito adotada pela Argentina (por montantes variáveis) é a adotada também pelo Canadá e não foi questionada na OMC. Se um exportador pagasse um valor excessivo, poderia tramitar a devolução. O sistema de valores variáveis evita que o valor cobrado às novas importações seja superior ao direito antidumping realmente cabível. A questão da valoração aduaneira está fora da presente controvérsia e não há prova documental que certifique as afirmações do Brasil a esse respeito.

Oferece prova

93) Os anexos ao escrito de resposta, o Expediente Nº 061-007527/97, através do qual foi tramitada a investigação de dumping e o testemunho da Lic. Mirían Segovia, Vice-ministra do Comércio da República do Paraguai.

Petitório

94) A Argentina solicita que o Tribunal Arbitral atenda como questão prévia o respeitante à existência ou não de normativa Mercosul que regule o dumping intrazona; rejeite a demanda brasileira e seu petitório; ratifique que a normativa nacional argentina é plena e exclusivamente aplicável ao caso dos autos; declare que a DEC CMC Nº 11/97 não é aplicável ao caso; confirme que nenhum EPM aplicou essa norma nos casos de dumping intra ou extrazona; no caso de que o Tribunal aponte à análise do procedimento que culminou com a Resolução ME 574/2000, declare que tal procedimento foi seguido conforme o direito; para o caso hipotético de dar lugar à petição do Brasil sobre a revocação de desta resolução estabeleça um prazo de pelo menos sessenta dias.

II.- CONSIDERANDOS

II-A) A presente instância arbitral

95) O Tribunal Arbitral foi constituído em conformidade com o Protocolo de Brasília, seu Regulamento e com o Protocolo de Ouro Preto; todos os prazos e condições estabelecidas nestes instrumentos para instaurar a presente instância arbitral foram cumpridos, segundo resulta dos parágrafos 1 a 6 e dos demais antecedentes e autuações que constam dos autos e dos arquivos da SAM.

96) As etapas prévias à arbitragem prescritas nas normas sobre solução de controvérsias dos Protocolos de Brasília e de Ouro Preto foram devidamente cumpridas. Em 30-08-00 o Brasil solicitou à Argentina o início de Negociações Diretas de acordo com o artigo 2º do PB. A Argentina, através de nota de 07-09-00 não aceitou o pedido formulado, afirmando que as investigações de dumping levadas a cabo por um EPM com respeito a importações de outro EPM se regem pela respectiva legislação nacional, não estando submetidas ao procedimento de solução de controvérsias do PB. As posições das Partes foram reiteradas, respectivamente, por notas de 08-09-00 e de 12-09-00. A pedido do Brasil incluiu-se o tema na agenda da XXXIX Reunião Ordinária do GMC realizada em Brasília nos dias 27 a 29 de setembro de 2000, na qual a Argentina reiterou sua posição. O assunto foi novamente considerado na XIX Reunião Extraordinária do GMC em Brasília em 08-11-00, dando por concluída sua intervenção sem que se alcançasse uma solução. Em 24-01-01 o Brasil solicitou à SAM a constituição de um Tribunal Ad Hoc em conformidade com o capítulo IV do PB.

97) A não aceitação da Argentina de entabular Negociações Diretas de acordo com o capítulo II do PB não impede considerar que foi cumprida essa etapa prevista no PB como o primeiro estágio no sistema de solução de controvérias. A obrigação que o PB impõe é a de procurar uma solução por meio de negociações diretas –a qual foi cumprida no caso – e não de conseguir que tais negociações sejam realizadas e menos ainda que sejam eficazes. Do contrário, cairia todo o sistema de solução de controvérsias já que sua colocação em funcionamento dependeria da vontade de cada parte reclamada de entrar em negociações diretas ou não. Por outro lado, estas foram desenhadas no esquema de solução de controvérsias como uma instância breve – 15 dias – para dar uma oportunidade final às partes de chegarem a um entendimento antes de entrarem nas estapas seguintes do procedimento. O fato de que alguma das partes não aceite usar essa oportunidade não pode obstar o desenvolvimento do procedimento. Este reconhece à parte reclamente a faculdade de avançar de etapa em etapa sem que a parte reclamada em momento algum possa deter a marcha do procedimento. Uma solução diferente seria incongruente com o conjunto do sistema de solução de controvérsias e o privaria de sentido ao fazê-lo potestativo da parte reclamada. A Argentina tampouco o pretendeu e sua conduta ratifica o procedimento, sem prejuízo de manter sua posição quanto à normativa aplicável à investigação de dumping intrazona. Sobre este ponto, o Tribunal não antecipa aqui sua opinião, a qual será exposta mais adiante.

98) A atuação do Tribunal, registrada no expediente e nas Atas, foi cumprida conforme as disposições do PB e de seu Regulamento, de acordo ao POP e às Regras de Procedimento do Tribunal. As Partes apresentaram os escritos correspondentes, produziu-se a prova e realizou-se a audiência, completando-se assim a atividade das Partes conforme os instrumentos referidos. Em conseqüência, e estando dentro do prazo previsto no artigo 20 do PB, o Tribunal se encontra em plena capacidade para adotar esta decisão sobre a controvérsia dos autos, com a forma e os efeitos estabelecidos nos artigos 20 e 21 do PB e no artigo 22 do Regulamento desse Protocolo.

II-B) Questão prévia

99) Sob este título cabe examinar dois aspectos, ambos relacionados com a competência do Tribunal e que, portanto, requerem ser resolvidos ab initio.

100) Em primeiro lugar, em etapas prévias à arbitragem, a Argentina assinalou que a seu critério o sistema de solução de controvérsias do Mercosul não é aplicável na espécie pois o PB rege controvérsias relativas à "interpretação, aplicação ou descumprimento" da normativa Mercosul, e no caso não existe tal normativa. Mesmo quando o argumento não tenha sido retomado para impugnar esta instância arbitral, sendo a Argentina partícipe da mesma sem objeções, o Tribunal considera necessário pronunciar-se ao respeito já que o ponto faz referência à sua própria competência.

101) O Tribunal afirma a procedência de aplicar o PB no caso dos autos. O simples fato de que o Brasil e a Argentina discrepem sobre a existência ou não de normas do Mercosul que regulem a investigação do dumping intrazona e a aplicação de medidas antidumping, assim como sobre o eventual alcance dessas normas, determina claramente a existência de uma controvérsia nos termos do PB (art. 1º), ou seja, sobre a interpretação, aplicação ou descumprimento das normas do Mercosul o que torna aplicável o sistema de solução de controvérsias.

102) O Brasil afirma que há um regime de ordem Mercosur para a investigação e a aplicação de medidas relacionadas ao dumping intrazona e a Argentina o nega afirmando, por sua vez, que as normas Mercosul reconhecem que essa matéria foi preservada para si por cada um dos EPM, os quais a regulam por meio de suas autoridades e em conformidade com suas respectivas legislações nacionais. O Brasil considera que o procedimento seguido pela Argentina para ditar a resolução ME 574/2000 e o conteúdo desta implicam inconsistência com a disciplina normativa Mercosul regente na matéria, enquanto a Argentina sustenta que o procedimento realizado de acordo com sua legislação nacional é feito conforme o direito. O Brasil afirma a competência deste Tribunal para examinar o procedimento seguido pela Argentina à luz das normas Mercosul. A Argentina considera que o Tribunal é incompetente para analisar um procedimento cumprido por autoridades nacionais de acordo com sua legislação. Contudo, “a existência de uma controvérsia internacional exige que seja estabelecida objetivamente. O simples fato de que a existência de uma controvérsia seja discutida não prova que esta controvérsia não exista”. (Corte Internacional de Justiça, Recueil, 1950, pág 74; na sentença sobre a interpretação dos Tratados de Paz com a Bulgária, Hungría e Romênia, de 30 de março de 1950). Não cabe dúvida de que a questão trata de opiniões e de pretensões opostas entre si, o que configura uma controvérsia e que esta é a propósito da normativa do Mercosul cuja interpretação será necessário realizar para elucidar a controvérsia, ou seja, é claramente o âmbito de aplicação do PB segundo seu artigo 1.

103) O Terceiro Tribunal Arbitral (salvaguardas) chega, em seu caso, à mesma solução: "a Argentina sustenta que a ausência de normas dentro do Mercosul que regulem esta matéria específica demonstra que tampouco há obrigação: se não há obrigação sob o Mercosul, não pode haver descumprimento sob a normativa Mercosul e, portanto, o Tribunal não tem jurisdição " (pág. 9). Diz mais adiante: "o Tribunal entende que no presente caso a reclamação do Brasil e a resposta da Argentina se referem à existência ou não de um direito ou de uma obrigação, que a reclamação de uma das partes se opõe positivamente à da outra e que existe um desacordo sobre um ponto de direito, significa dizer um conflito de opiniões legais entre as partes relativo à licitude ou não da Resolução 861/99 do Ministério de Economia da Argentina com relação à normativa Mercosul" (pág. 10). Concluindo que as diferentes posições assumidas pelas partes "são evidência suficiente para considerar que a presente controvérsia cai dentro do sistema de solução de controvérsias previsto pelo Protocolo de Brasília " (pág. 10), solução que para o caso de autos também recolhe o presente Tribunal, ratificando sua competência para conhecer da controvérsia que lhe foi submetida.

104) O segundo aspecto, relacionado em certa medida ao anterior, consiste no pedido da Argentina para que este Tribunal resolva, como questão prévia, a existência ou não de normas Mercosul relativas ao dumping intrazona e, no caso de sua eventual existência, decida sobre a aplicabilidade das mesmas à presente controvérsia ou, por outro lado, dê por concluída sua atuação no caso de que sua decisão seja concordante com a interpretação da Argentina.

105) A esse respeito, o Tribunal se inclinará a tratar essas questões em conjunto com as demais argumentações e não de forma prévia. As alegações das partes supõem a consideração de vários e complexos aspectos legais, estreitamente inter-relacionados, que vão mais além da decisão sobre a existência ou inexistência de norma Mercosul nesta matéria. Também é necessário considerar qual ou quais seriam essas normas, se houver, assim como o efeito jurídico que teria cada uma no caso de autos. Mesmo a ausência de normas, daria lugar a indagar qual seria o efeito dessa ausência. E naturalmente o resultado dessa análise está relacionado com as inconsistências legais aduzidas pela Parte Reclamante. Decidir esta trama de questões ligadas e dependentes entre si implica decidir o fundo da controvérsia apresentada.

106) O Tribunal concorda também neste aspecto com as conclusões do Terceiro Tribunal Arbitral que, ante uma formulação similar disse: "O Tribunal entende que o ponto em discussão sobre a existência de uma permissão expressa do Mercosul para a aplicação de medidas de salvaguardas sob o direito Mercosul e, por conseguinte, de uma obrigação que se desprenda dessas disposições, é uma questão que deve ser considerada e decidida como uma questão de fundo e não como uma questão preliminar” (pág. 11).

II-C) Objeto

107) O objeto das controvérsias sob o PB fica determinado pelos escritos de apresentação e de resposta, conforme dispõe o artigo 28 do Regulamento do PB, e a decisão do Tribunal deverá recair sobre tal objeto, examinando portanto o conteúdo completo das duas apresentações, inclusive dos petitórios (cf. Terceiro Tribunal Arbitral, alínea B, pág. 13). Não obstante, desde que o PB e o POP prevêem um sistema de solução de controvérsias que compreende etapas prévias à arbitragem e que obrigatoriamente devem ser cumpridas para chegar a esta, “não podem ser agregadas, nesta última instância, questões não processadas nos estágios anteriores e os escritos de apresentação e de contestação perante o Tribunal devem ajustar-se a essa regra” (Primeiro Tribunal Arbitral, parágrafo 53). De acordo com este critério não faz parte do objeto da controvérsia a questão da suposta inconsistência da valoração aduaneira que aplicaria a Aduana Argentina às exportações de frangos de origem brasileira com respeito à DEC CMC Nº 14/94. Com efeito, este ponto não foi formulado nas etapas anteriores e implica uma questão diferente à legitimidade da Resolução N° 574/2000 (que nada resolve a esse respeito) ou à discussão sobre a existência ou não de normativa Mercosul em matéria de dumping intrazona.

108) Em resumo, o objeto da controvérsia definido pelos trabalhos escritos das partes consiste no seguinte:

(1) O Brasil afirma que a Resolução ME 574 e os procedimentos de investigação antidumping nos quais se baseia não são compatíveis com a normativa Mercosul sobre investigação e aplicação de direitos antidumping no comércio entre os EPM e que esta matéria se rege pelo Marco Normativo aprovado pela Decisão CMC 11/97. A Argentina, por sua vez, afirma que os procedimentos de investigação antidumping e a Resolução ME 574 não estão sujeitos à normativa Mercosul, mas sim regidos pela legislação nacional argentina. A Decisão CMC 11/97 e o MN não estão vigentes. Tampouco existe norma vinculatória para os EPM. Nenhuma norma Mercosul ou nacional habilita um Tribunal Arbitral do Mercosul a rever procedimentos cumpridos por um EPM sob sua legislação nacional.

(2) O Brasil sustenta que a Argentina não agiu em conformidade com o MN, ao não respeitar os procedimentos de investigação e de aplicação de medidas antidumping e ao incorrer em inconsistências com a normativa. No caso desses autos não existem os elementos necessários para aplicar essas medidas. No entanto, a Argentina sustenta que os procedimentos para alcançar a Resolução ME 574 foram seguidos conforme o direito, segundo sua legislação nacional.

(3) Nos petitórios, o Brasil solicita que o Tribunal declare o descumprimento pelo governo argentino das normas do MN que cita e que, em conseqüência, ordene a esse governo a revogação no prazo de quinze dias da Resolução ME 574. Por outro lado, a Argentina solicita a rejeição da demanda brasileira e de seu petitório e a ratificação de que a normativa nacional argentina é plena e exclusivamente aplicável ao caso de autos, solicitando ademais, em subsídio, que seja declarado que o procedimento foi executado conforme o direito.

109) O Tribunal deverá decidir sobre a controvérsia no âmbito do objeto assinalado. A tal fim se dispõe a atender e dilucidar por sua ordem as seguintes questões:

a- Existem normas Mercosul que regulam expressamente a investigação de dumping e a aplicação de medidas antidumping no comércio intrazona? Nesse caso, quais são e com que efeito? (parágrafos 110 a 131)

b- Se não existem normas Mercosul que regulem expressamente essa matéria, qual é a conseqüência? Que regime jurídico se aplica? (parágrafos 132 a 148)

c- Se há normas Mercosul aplicáveis ao caso de autos, o Tribunal Arbitral é competente para verificar se tais normas foram cumpridas no procedimento que concluiu com a Resolução ME 574? Em caso afirmativo, esse procedimento foi seguido conforme o direito? (parágrafos 149 a 215)

II-D) Existência ou não de normas Mercosul que regulem expressamente a investigaçãode dumping e a aplicação de medidas antidumping no comércio intrazona.

II-D-1) Normas invocadas

110) As partes Reclamante e Reclamada citaram em seus escritos de Representação (II, A, 4) e de Resposta (pág 31) as normas emitidas pelos órgãos do Mercosul que, a seu critério, podem ter incidência na controvérsia, entre outras: DEC CMC Nº 3/92 (extrazona), DEC CMC Nº 7/93 (extrazona), RES GMC 63/93 (intrazona), RES GMC Nº 108/94 (extrazona), RES GMC 129/94 (intrazona), DIR CCM Nº 05/95 (intrazona), DEC CMC Nº 18/96 (Protocolo de Defesa da Concorrência), DEC CMC Nº 11/97 (Marco Normativo do Regulamento Comum Relativo à Defesa contra Importações Objeto de Dumping provenientes de Países não Membros do Mercosul- MN), DEC CMC Nº 28/00 (Defesa Comercial da Concorrência) e DEC CMC Nº 64/00 (Defesa Comercial e da Concorrência) e DEC CMC N° 66/00.

II-D-2) Alcance e vigência

Cabe precisar dois aspectos ao respeito:

111) Em primeiro lugar, o fato de que várias das normas mencionadas se refiram apenas ao dumping extrazona. Embora possam ser ilustrativas acerca da direção e da intencionalidade dos EPM quanto à regulação desta matéria, ou possam servir como elemento de comparação com normas relacionadas com o comércio dentro do Mercosul - contribuindo assim à interpretação ou inteligência do conjunto normativo tomando em conta seu contexto - não constituem per se uma fonte válida de obrigações intrazona para regular o comércio regional, como tampouco a aplicação por extensão ou analogia de suas disposições por si mesmas.

112) Em segundo lugar cabe observar que algumas das normas citadas não cumpriram a obrigação de incorporação ou internalização aos respectivos ordenamentos jurídicos dos EPM segundo estabelecem os artigos 40 e 42 do POP, sem o qual não entram em vigor (POP, art. 40, alínea iii). O quadro de vigência das normas Mercosul que a SAM mantém com a informação proporcionada pelos EPM sobre o processo de incorporação de normas indica que estão ou estiveram em vigor as que se referem a aspectos como intercâmbio de informação (RES GMC Nº 63/93, DIR CCM Nº 05/ 95) ou encargos a órgãos do MERCOSUL (DEC CMC Nº 28/00, DEC CMC Nº 66/00) e não contêm normas que disciplinem o procedimento de investigação de dumping e de aplicação de medidas antidumping. Outras estão pendentes de análise ou de informação ou não foi feita sua incorporação (DEC CMC Nº 129/94, DEC CMC Nº 64/00), ao passo que as Decisões CMC Nº 18/96 e 11/97 não estão em vigor.

113) De acordo com as observações realizadas, nenhuma das normas Mercosul vigentes contém uma disciplina comum para a investigação de dumping e a aplicação de medidas antidumping no comércio interno do Mercosul, conclusão que resulta, já não de um requisito menor ou trivial, mas da própria natureza do sistema de emissão de normas no Mercosul que dá à incorporação e a sua notificação pelos EPM o caráter de requisito indispensável para a vigência e a aplicação das normas, como se verá mais adiante.

II-D-3) Obrigatoriedade e vigência

114) Os órgãos do Mercosul com capacidade decisória são definidos pelo POP expressamente como de natureza intergovernamental (art. 2), o que por si exclui a aplicação direta e imediata de suas normas em cada um dos EPM. Tampouco há uma norma do Mercosul ou dos EPM que autorize, apesar de sua condição intergovernamental, a aplicação direta da normativa emanada dos órgãos comuns. Este critério está confirmado pelo regime de incorporação aos respectivos ordenamentos jurídicos internos dos EPM, detalhado no artigo 40 do POP, ao qual está sujeita essa normativa que não entra em vigência sem seu cumprimento. Outrossim, o próprio artigo 42 que reconhece o caráter obrigatório das normas emitidas pelos órgãos com capacidade decisória, faz referência à incorporação dessas normas “quando seja necessário”. Sem contar com o fato de que a aplicação direta das normas Mercosul não seria compatível com o regime constitucional de alguns dos EPM.

115) É verdade que o POP dispõe também que as normas emanadas dos órgãos com capacidade decisória terão caráter obrigatório (art. 42) e que as decisões do CMC serão obrigatórias para os Estados Partes (art. 9º), enquanto o artigo 38 do próprio Protocolo determina o próprio compromisso dos EPM de adotarem em seus respectivos territórios todas as medidas necessárias para assegurar o cumprimento das normas emanadas dos órgãos com capacidade decisória.

116) O regime resultante, no entanto, não é incoerente nem contraditório, mas responde ao conceito chamado em doutrina “de vigência simultânea” – por oposição à aplicação imediata – no qual se conjugam e harmonizam as diversas disposições do POP a esse respeito em um sistema pelo qual as normas são obrigatórias para os EPM desde sua aprovação, mas cuja vigência somente ocorre simultaneamente para todos os EPM uma vez que todos tenham cumprido o procedimento do artigo 40. Procedimento estabelecido precisamente por não existir aplicação direta e com o fim de garantir a vigência simultânea, prevenindo uma situação caótica de incerteza jurídica e de aplicação parcial.

117) Por sua vez, a obrigatoriedade das normas, embora limitada pela exigência de vigência simultânea, não deixa de ter conteúdo. Trata-se de uma obrigação jurídica para cada Estado que se concretiza em uma obrigação de fazer “adotar todas as medidas necessárias para assegurar, em seus respectivos territórios, o cumprimento das normas emanadas dos órgãos do Mercosul” (POP, art. 38) e, além disso, acrescenta de modo imperativo o artigo 42, "quando for necessário, deverão ser incorporadas aos ordenamentos jurídicos nacionais”. Devido à natureza intergovernamental do Mercosul e à ausência de aplicação direta de sua normativa, ninguém pode cumprir o ato de incorporação requerido no lugar do Estado obrigado. O descumprimento, contudo, implica a responsabilidade internacional do Estado que não cumpre com relação aos Estados que tornaram efetiva a incorporação. A não incorporação de uma norma Mercosul obrigatória pode dar lugar a uma controvérsia sob o PB por descumprimento da adoção da normativa Mercosul. Por outro lado, a controvérsia por meio da arbitragem pode desembocar eventualmente na adoção de medidas compensatórias de acordo com o artigo 23 do PB. Nesta linha, e em conformidade com o princípio da boa fé, os Estados tampouco deverão – obrigação de não fazer – realizar ações que por sua natureza se oponham ou frustrem o propósito da norma aprovada mas ainda não incorporada.

118) Isso no entanto não significa que a norma esteja vigente e que suas disposições já sejam aplicáveis. Menos ainda se a norma em questão é, como no caso dos autos, um conjunto de disposições para regular a investigação do dumping e a aplicação de medidas antidumping entre os EPM. Enquanto esse conjunto de disposições não for incorporado por todos os Estados não estará vigente. A obrigatoriedade das normas no regime do Mercosul não supre os requisitos estabelecidos para sua vigência e para que esta se produza é indispensável que todos os EPM tenham percorrido o caminho do artigo 40 do POP.

119) A apreciação de quando é necessário proceder à incorporação fica, em definitiva, nas mãos de cada Estado, como é natural na estrutura institucional do Mercosul. A necessidade de incorporar a norma ao respectivo ordenamento e a forma de fazê-lo dependerão do sistema constitucional correspondente, cuja interpretação é uma potestade de cada Estado não delegada aos órgãos do Mercosul ou aos demais EPM. A SAM, por conseguinte, se limita a registrar no quadro de vigências as notificações dos EPM ao respeito. A DEC CMC Nº 23/00 que disciplina o procedimento de incorporação ratifica essa posição dominante dos EPM na apreciação do momento em que procede a incorporação e da forma em que se realiza. A conclusão é a mesma inclusive nos casos em que, segundo essa decisão (artigo 5), não se requer incorporação: normas relativas ao funcionamento interno do Mercosul e normas cujo conteúdo já estiver contemplado na legislação nacional. Nas primeiras, para excluir a incorporação é preciso haver o entendimento conjunto dos EPM formalmente consignado na própria norma. Nas segundas, é necessária a notificação do próprio Estado à SAM de que a norma Mercosul está contemplada por uma norma nacional, dando-se indicação específica da norma em questão.

II-D-4) Considerações específicas sobre as normas às quais as Partes nesta controvérsia deram maior ênfase:: DEC CMC Nº 18/96 e 11/97.

120) Nenhuma das duas normas está vigente, segundo indica o quadro de vigência de normas mantido pela SAM onde se registram as comunicações dos EPM. No que diz respeito à 18/96, não foi incorporada nem pela Argentina nem pelo Uruguai. Quanto à 11/97, o Paraguai e o Uruguai não a incorporaram; a Argentina faz referência à “24.425 - Acordo OMC" e o Brasil anota "Status de norma sob solução de controvérsias" que a partir da presente controvérsia substitui a nota anterior de “Não incorporado. Para sua incorporação é necessária a aprovação do Regulamento Comum”. Já que nenhuma das duas normas foi incorporada por todos os EPM, nenhuma das duas está em vigência.

121) As duas decisões possuem uma estrutura formalmente similar, estando compostas por um corpo com várias disposições, sendo que uma delas aprova uma normativa extensa que segue como anexo e completa a decisão. A 18/96 trata do Protocolo de Defesa da Concorrência no Mercosul e a 11/97 do Marco Normativo do Regulamento Comum Relativo à Defesa contra Importações Objeto de Dumping Provenientes de Países Não Membros do Mercosul.

122) Não procede, no parecer do Tribunal, a interpretação da vigência parcial dessas normas, segundo a qual as disposições das mesmas que não necessitem incorporação estariam vigentes, ao passo que aquelas que requeiram ser incorporadas não estariam em vigor. O procedimento de comunicação das incorporações previsto na CMC 23/00 não distingue entre o corpo das normas e os anexos que as completam. A vigência parcial produziria uma situação inaceitável de incerteza jurídica. Em todo caso, caberia a cada Estado informar as disposições que requeiram incorporação e aquelas que não a necessitem, situação que não ocorreu. Além disso, separar a vigência de diversas disposições contidas em uma mesma norma é uma tarefa sempre delicada cujo acerto é duvidoso, mais ainda quando não há uma orientação precisa e um critério unívoco para realizá-la. Um conjunto de disposições que são parte de uma só norma – corpo e anexos – reflete uma visão comum e um equilíbrio entre suas partes no qual se sustenta o consentimento dado pelos EPM para sua aprovação. Máxime quando o conteúdo das disposições que formam o corpo não consiste em meras questões de trâmite ou de funcionamento, mas que disciplina questões substantivas: indica a aplicação de toda uma ordem normativa para regular as investigações de dumping e a aplicação de medidas ao respeito no âmbito intrazona.

123) Por outro lado a conclusão é a não vigência, mesmo num exame separado do corpo e dos anexos das decisões analisadas. No corpo da decisão 18/96, o artigo 2º dispõe que nas investigações de dumping intrazona seja aplicada a legislação nacional até 31-12-2000, enquanto os EPM analisam a forma de regular essa matéria. A decisão 11/97, através do artigo 9º de seu corpo, faz referência à 18/97 "em consonância com" o artigo 3º da própria decisão 11/97. Isto determina que até a aprovação do Regulamento que deverá ser elaborado, seja aplicada ao dumping extrazona a legislação nacional “em conformidade” com o MN e que os EPM façam os ajustes necessários em sua legislação nacional para harmonizá-la com o MN. Tal regime é então estendido pelo artigo 3º aos casos intrazona.

124) Resulta evidente que a matéria tratada no corpo das duas decisões sob análise tem relevância legislativa e requer incorporação da mesma forma que a normativa contida nos respectivos anexos. O artigo 2º da decisão 23/00 sobre incorporação de normas diz, referindo-se à prática seguida, que os EPM devem notificar à SAM a incorporação indicando a norma nacional que a torna efetiva, o que não ocorreu no caso das normas analisadas. Tampouco houve comunicação de que a incorporação não fosse necessária.

125) Para um maior aprofundamento, cabe anotar com respeito à decisão 18/96 que ao entender que o mandato de aplicar a legislação nacional é somente a ratificação do regime vigente, e portanto redundante, entende-se que não seria necessária a incorporação e isso iria de encontro ao limite temporal que estabelece o prazo até 31-12-00. Pois neste caso o CMC estaria fixando prazo à vigência e à aplicação da lei nacional, algo que claramente necessita incorporação. Ao contrário, se o artigo 2 da decisão 18/96 fosse uma norma que estabelecesse ex novo a aplicação da lei nacional, obviamente também necessitaria incorporação. De fato, a Argentina não comunicou nem a incorporação da norma, nem a falta de necessidade de incorporá-la.

126) Com respeito à decisão 11/97 cabem apreciações de teor similar. Fora o fato de que não tenha sido incorporada por todos os EPM, o Brasil em sua notificação inicial à SAM indica que não a havia incorporado, submetendo a incorporação à aprovação do Regulamento Comum. Por outro lado, o MN é um conjunto de disposições que como indica seu próprio título – Marco Normativo do Regulamento Comum Relativo à Defesa contra Importações Objeto de Dumping Provenientes de Países Não Membros do Mercosul – está destinado a ser a referência para a elaboração do Regulamento Comum, como o destaca também o artigo 2º do corpo da decisão 11/97 ao instruir a Comissão de Comércio do Mercosul a “elaborar, a partir do Marco Normativo, as normas complementares que considere necessárias para a elaboração e aplicação do Regulamento Comum Antidumping”.

II-D-5) Normas OMC

127) A existência em todos os EPM de uma mesma normativa em matéria de comércio internacional resultante da ratificação por todos eles dos acordos de Marraquesh não significa, contudo, que se trate de uma normativa Mercosul, ou seja, de uma disciplina comum adotada formalmente para reger suas relações recíprocas comerciais dentro do sistema regional de integração. A partir deste ponto de vista, a semelhança das legislações através da ratificação dos acordos com os que finalizou a Rodada Uruguai do GATT não é um traço distintivo e próprio dos países do Mercosul, e sim um fator comum com a maior parte dos estados da comunidade internacional do qual não cabe derivar nenhum compromisso específico de caráter regional.

128) O paralelismo evidente entre o MN e as disposições do Acordo Antidumping da OMC não basta tampouco para dar-lhe caráter de normativa Mercosul à normativa da Organização Mundial de Comércio. Em primeiro lugar porque, como já foi visto, a decisão 11/97 que aprova o MN não está em vigor. Em segundo lugar porque, embora exista um paralelismo entre as normas há também diferenças como o âmbito territorial de aplicação e as autoridades responsáveis pela mesma.

129) O fato de que todos os países da área tenham uma mesma legislação não significa per se que tal legislação constitui normativa Mercosul, ou seja, um disciplinamento comum de uma determinada matéria a propósito do qual se possam formular questões de interpretação, aplicação ou descumprimento que suscitem o funcionamento do sistema de solução de controvérsias do Mercosul. Tal legislação continua sendo nacional, fora do âmbito do MERCOSUL.

130) A aplicação da normativa OMC como normativa Mercosul é possível apenas por referência expressa àquela de uma norma do Mercosul. O Segundo Tribunal Arbitral, ao examinar o tema dos incentivos às exportações, levou em conta as disposições na matéria emanadas dos compromissos assumidos no GATT em atendimento à decisão 10/94 do CMC que expressamente se referiu a essas normas (Segundo Tribunal Arbitral, parágrafos 58, 66 e 67). O presente Tribunal afirma também esse critério e, portanto, não considera normativa Mercosul a da OMC referida ao caso, ou seja, o Acordo Antidumping. O paralelismo do MN com o AD OMC não valida a aplicação daquele como norma Mercosul.

II-D-6) Conclusão sobre normativa expressa Antidumping

131) De acordo com as considerações expostas, resulta que não há normativa Mercosul vigente que regule de forma expressa a investigação de dumping e a aplicação de medidas antidumping no comércio intrazona.

II-E) Direito aplicável na ausência de normas Mercosul que regulem expressamente o regime antidumping intrazona

132) A ausência de normas Mercosul vigentes que regulem expressamente a investigação de dumping e a aplicação de medidas antidumping intrazona não significa, entretanto, que essa matéria seja alheia ao quadro normativo do Mercosul e que por isso fique fora de seu ordenamento. Com efeito, o Tratado de Assunção, seu Anexo I e o Regime de Adequação Final à União Aduaneira proporcionam as referências jurídicas necessárias para abordar e resolver a questão formulada. Além disso, como será visto mais adiante, o TA contém uma referência específica ao dumping relevante para o caso dos autos.

II-E-1) Princípio geral

133) O plano original do TA previa um breve período de transição até 31-12-94 para alcançar o Mercado Comum. Os fatos sobrevindos mostraram a impossibilidade para os EPM de cumprir a tempo a meta estabelecida, modificando-se conseqüentemente os prazos e os objetivos. O resultado disso é a decisão de ir a uma União Aduaneira com um regime de adequação que concluiu para os quatro EPM em 31-12-99, deixando o Mercado Comum como um objetivo mais distante sem prazo determinado.

134) A frustração do propósito inicial e as dificuldades notórias no funcionamento da União Aduaneira não privam de conteúdo nem de vigência as normas que determinaram a livre circulação de bens na área, eliminado as restrições tarifárias, não tarifárias, paratarifárias ou outras de efeito equivalente que afetem o comércio intrazona. Previsto o fim dessas restrições inicialmente para 31-12-94, o adiamento dos prazos reconhecido no Regime de Adequação Final trasladou essa data para 31-12-99 quando os EPM já deviam haver eliminado totalmente as restrições com as exceções expressamente admitidas dos regimes especiais para o açúcar e a indústria automotiva, assim como as medidas de caráter não comercial previstas no Tratado de Montevidéu de 1980 (art. 50). Desta maneira, e nessa data, ficou habilitado e consagrado de direito o princípio da livre circulação de bens no território do Mercosul.

135) A partir desse momento, qualquer limitação ou restrição a esse princípio de livre circulação está proibida. Por sua vez, o TA dá uma definição ampla de restrições: “qualquer medida de caráter administrativo, financeiro, cambiário ou de qualquer natureza, mediante a qual um Estado Parte impeça ou dificulte, por decisão unilateral, o comércio recíproco” (TA, Anexo I, art, 2º, b). A jurisprudência dos Tribunais Arbitrais Ad Hoc do Mercosul confirma o critério de que a partir de 1999 a livre circulação de bens é a norma Mercosul e que as restrições, entendidas no amplo sentido indicado, não estão permitidas.

136) O Terceiro Tribunal (Salvaguardas) destaca o propósito das Partes de criar um “território onde o livre movimento de mercadorias sem obstáculos seria a regra básica nas relações comerciais” de acordo com o TA (art. 1º) e seu Anexo I, entendendo que do Programa de Liberação e do Anexo IV do TA sobre salvaguardas surge que “no momento em que a liberação comercial for alcançada, as partes explicitamente renunciarão à utilização de obstáculos ao livre comércio, como por exemplo a aplicação de medidas de salvaguarda”. Conclui dizendo que “como resultado da implementação do Programa de Liberação Comercial e do fato de haver alcançado o livre comércio intrazona, o uso de medidas de salvaguardas já estava proibido” (pág. 18). Mais adiante (pág. 27) resume sua posição expressando: “Em conseqüência, enquanto os membros do Mercosul não agirem em conjunto para acordar expressamente a aceitação de medidas restritivas ao comércio, os Estados membros estarão impossibilitados de aplicar tais medidas de forma unilateral. Desta premissa o Tribunal conclui que enquanto não houver norma expressa em sentido contrário, prevalece o princípio de liberdade de comércio entre os membros do Mercosul ".

137) Por sua vez, o Segundo Tribunal (exportação de carne de porco) cita o parágrafo 65 do laudo do Primeiro Tribunal (licenças de importação) em cujo texto se lê: “a liberdade comercial, obstáculo tradicional às tentativas anteriores de integração latino-americana, se constituiria na massa crítica necessária para impulsionar as demais ações em direção ao Mercado Comum, quebrando assim a linha tradicional de resistência aos esforços anteriores de integração:" O Segundo Tribunal conclui (parágrafo 55): "Esta é a convicção comum de todos os Estados Membros do Mercosul, tal como foi manifestado pelas Partes durante o processo. “

138) O Primeiro Tribunal afirma que "O fluxo comercial livre é o alicerce escolhido no sistema do TA para o progresso e o desenvolvimento do Mercosul” (parágrafo 66), ao tempo que no resumo de suas conclusões para o laudo expressa: “Após a reavaliação do Mercosul realizada pelas Partes, a eliminação de todas as RT (Restrições Tarifárias) e RNT (Restrições Não Tarifárias) ou medidas de efeitos equivalentes ou outras restrições ao comércio entre os Estados Partes deverá ocorrer no mais tardar em 31-12-99, data em que se completa o regime de Adequação Final e com ele o fim das RT” (parágrafo 85, alínea (vii)

139) O papel central da liberação comercial, reconhecido pela jurisprudência dos Tribunais Arbitrais resulta, de forma inquestionável, da normativa do Tratado de Assunção que faz da eliminação de todas as barreiras ao comércio regional a única obrigação imposta imediatamente pelo tratado e com uma data determinada para sua consumação. Os EPM “acordam eliminar no mais tardar em 31 de dezembro de 1994 os gravames e demais restrições” ao comércio recíproco e dispõem que nessa data “estarão eliminadas todas as restrições não tarifárias (TA, Anexo I, arts. 1 e 10). Obviamente as datas e as referências ao Mercado Comum são modificadas pelo Regime de Adequação Final à União Aduaneira que finaliza em 31-12-99. Os demais instrumentos propostos para levar adiante o processo de integração não têm data estabelecida para sua efetivação e, embora vinculados programaticamente à liberação comercial não a condicionam nem a restrigem,como surge dos artigos 1º e 5º do TA, mesmo em elementos como a coordenação macroeconômica (onde se fala de graduação e convergência com aliberação comercial); a coordenação para assegurar as condições de concorrência entre os EPM; a coordenação de políticas comerciais frente a terceiros países; ou a Tarifa Externa Comum.

140) A posição central da liberação comercial consagrada em termos juridicamente obrigatórios pela normativa original e reiterada nos ajustes realizados nas metas e objetivos do Mercosul se vê refletida, por sua vez, na realidade operacional do Mercosul na qual o comércio intrazona é a pedra angular; sem ela o empreendimento regional ficaria vazio em seu conteúdo. Daí que, tanto por razões jurídicas como pela materialidade das relações criadas ao amparo da normativa Mercosul, as eventuais limitações à livre circulação devam ser colocadas e examinadas sob essa perspectiva.

141) Não obstante, subsistem nos fatos travas de diferente natureza – dupla cobrança da Tarifa Externa Comum, não reembolso com tarifa zero ao país de origem de mercadorias exportadas intrazona, requisitos e medidas impostos por autoridades locais, departamentais ou estaduais, formalidades aduaneiras intrazona e inclusive os requisitos de origem – que mantêm certas condições de fragmentação no mercado regional que, sem privar de vigência o princípio estabelecido de livre circulação, perturbam na prática sua plena aplicação. Tais práticas devem ser encaradas com o critério de que as exceções à livre circulação devem resultar de textos expressos e, mesmo as exceções admitidas – como as medidas não comerciais do artigo 50 do TM80- têm de estar destinadas efetivamente a sua finalidade própria e declarada, a fim de não ser uma forma encoberta de restrição comercial e, como tal, inadmissível (Cfr. Primeiro Tribunal Arbitral, parágrafos 81 e 85, viii).

II-E-2) Referência específica ao dumping no TA

142) O TA em seu artigo 4º dispõe que os EPM em suas relações com terceiros países garantirão condições eqüitativas de comércio e para tal efeito “aplicarão suas legislações nacionais para inibir importações cujos preços estejam influenciados por subsídios, dumping ou qualquer outra prática desleal”. Isto é, a obrigação dos EPM com respeito ao dumping extrazona consiste em “inibir importações” cujos preços estiverem influídos por dumping, aplicando para tanto a legislação nacional

143) A segunda parte do mesmo artigo 4º dispõe que “paralelamente” os EPM “coordenarão suas respectivas políticas nacionais, com o objetivo de elaborarem normas comuns sobre concorrência comercial”. Ou seja que, com respeito ao chamado dumping intrazona, o TA não autoriza medidas unilaterais sob a legislação nacional com o fim de inibir importações cujo preço estiver afetado por essa prática. Estabelece uma seqüência de medidas, a primeira das quais é a coordenação de políticas nacionais e a segunda, uma vez alcançada a medida anterior, é a elaboração sobre essa base das normas comuns sobre concorrência comercial. Estabelece assim o TA dois regimes diferentes: um para o dumping extrazona e outro para o intrazona, ao que não menciona como tal e o engloba sob a categoria de concorrência comercial. Ordena, para o primeiro, inibir as importações mediante legislação nacional e para o segundo a elaboração e aplicação de normas comuns sobre concorrência comercial.

144) Congruente com esta solução, o TA não inclui a aplicação de medidas antidumping intrazona entre os instrumentos para os quais reconhece vigência durante o período de transição ou por um período maior que esse e que são, ou podem chegar a ser, restrições ao comércio regional segundo a ampla definição de restrições que proporciona o artigo 2º do Anexo I do TA. Tais são os casos das normas de origem e a aplicação de salvaguardas expressamente reconhecidas ou das medidas não comerciais permitidas pelo artigo 50 do TM 80. Esta solução não foi considerada no Tratado para o chamado antidumping intrazona nem sequer durante o período de transição.

II-E-3)O dumping nas uniões aduaneiras e áreas de livre comércio

145) Os princípios e disposições de direito internacional aos que cabe recorrer, segundo o artigo 19 do PB, estão na mesma linha. Corroboram que a liberdade de circulação de bens e a ausência de restrições é próprio da natureza de áreas de livre comércio e das uniões aduaneiras, como consta da normativa da OMC. O artigo XXIV do GATT 1994 dispõe em seu parágrafo 8º (a i) e (b) que esses sistemas de integração se caracterizam pela eliminação dos direitos e das regulações restritivas do comércio. Enquanto o Entendimento para a Interpretação do artigo XXIV dispõe que as áreas de livre comércio e as uniões aduaneiras, para serem compatíveis com tal artigo devem satisfazer, entre outras de suas disposições, o parágrafo 8. As exceções admitidas pelo artigo XXIV e que são expressamente assinaladas – artigos XI, XII, XIII, XIV, XV e XX- não incluem o artigo VI relativo ao dumping. Em conformidade com este critério, a experiência comparada de processos de integração mostra que no comércio dentro do espaço integrado não se aplicam os mecanismos antidumping e sim regimes de defesa da concorrência submetidos a uma disciplina comum e administrados por organismos comuns e não por autoridades nacionais. Solução que expressamente adota o TA em seu artigo 4º examinado acima e que os EPM tentaram implementar, até agora sem resultados, como se vê na normativa invocada pelas Partes.

146) No NAFTA, onde existem procedimentos antidumping, estes são convalidados pelo próprio tratado que, de todos modos, estabelece expressamente no capítulo 19 mecanismos de revisão da determinação final de dumping, dano e direitos compensatórios a cargo de painéis binacionais e não exclusivamente nacionais. Ao passo que, por ocasião das recentes reuniões relacionadas com o Acordo de Livre Comércio das Américas, ALCA, tornou-se manifesta a importância que alguns países atribuem ao fato de que no acordo não se permitam medidas antidumping aplicadas unilateralmente pelas autoridades de cada país conforme sua legislação nacional, entendendo-se que esse seria um instrumento restritivo do comércio regional e considerando tais medidas como barreiras paratarifárias que não devem existir.

II-E-4) Conclusões sobre o direito aplicável

147) A investigação do dumping e a aplicação de medidas antidumping intrazona devem ser analisadas à luz das normas referidas que estabelecem o regime geral do Mercosul, no contexto de seu sistema normativo e de acordo com seus fins e objetivos (Convenção de Viena sobre Direito dos Tratados, art. 31, fazendo referência ao costume e à jurisprudência internacionais, cf. Jurisprudência dos Tribunais Arbitrais: Primeiro Tribunal parágrafos 49, 50, 51, 57, 59 e 60; Segundo Tribunal parágrafo 55; Terceiro Tribunal páginas 13 e 14).

148) O regime de livre circulação de bens consagrado pelo TA, por seu Anexo I e pelo Regime de Adequação Final à União Aduaneira, a ampla definição de restrições proibidas ao comércio que consta do artigo 2º do Anexo I ao TA, o disposto no artigo 4º do TA sobre o regime aplicável na zona (concorrência comercial e não antidumping); e a ausência de norma hábil expressa que permita recorrer a medidas antidumping na região indicam que a aplicação de medidas antidumping intrazona não é compatível com o princípio da livre circulação de bens. Conclusão que é acorde com a jurisprudência dos anteriores Tribunais Arbitrais Ad Hoc e também conforme a normativa do GATT-OMC em matéria de áreas de livre comércio e uniões aduaneiras, assim como a natureza desses processos de integração e a prática dos mesmos.

II-F) Conseqüências e aplicação ao caso dos autos

II-F-1) Características e finalidade das medidas antidumping

149) O exame do direito aplicável leva a considerar que os procedimentos e as medidas antidumping não são procedentes nos espaços integrados. Nestes, ante supostas práticas comerciais desleais, devem ser aplicadas as regras da defesa da concorrência.

150) A própria evolução das normas Mercosul indica essa mesma direção, por mais que não tenha se cristalizado em um regime que tenha vigência. Com efeito, a sucessão de normas aprovadas ao respeito, ainda que não vigentes, demonstra a vontade dos EPM de estabelecer uma disciplina comum nos procedimentos tanto extra como intrazona. O fato de que essas normas não tenham alcançado a vigência não as priva de um valor indicativo e interpretativo da vontade das Partes no sentido de buscar uma regulação comum desta matéria para evitar, no caso intrazona, a perturbação que poderia gerar para o comércio regional a aplicação de medidas antidumping. A DEC CMC N° 28/00 (Art. 2º), entre outras normas, indica claramente que o procedimento antidumping é considerado como um elemento de vigência limitada, destinado a desaparecer, que deve ser substituído por um regime de defesa da concorrência que é a solução adequada para os mercados integrados com livre circulação de bens.

151) Mesmo quando o procedimento antidumping possa estar destinado efetivamente a combater uma conduta comercial desleal, pode também ser utilizado como um recurso de natureza comercial e de cunho protecionista para impedir ou limitar as importações de outros mercados regionais e, assim, evitar a concorrência com a produção nacional.

152) Nesta última hipótese o procedimento antidumping se torna um instrumento restritivo do comércio que cabe na definição do artigo 2º do Anexo I ao TA e, como tal, é absolutamente incompatível com o regime de livre circulação de bens próprio das áreas de livre comércio e das uniões aduaneiras. Daí que nos espaços econômicos integrados se propicia a substituição desse mecanismo pelas normas de defesa da concorrência, as quais contêm um disciplinamento comum, aceito por todos os membros do processo de integração e por autoridades de aplicação também comuns. Com isso, evita-se o deslizamento em direção ao protecionismo ou a queda dentro do mesmo e, ao mesmo tempo, se sancionam as condutas comerciais não ajustadas a uma normativa comum por autoridades comuns.

153) A especialidade do caso no Mercosul é que por um lado as medidas antidumping intrazona, como restrições à livre circulação de bens, são incompatíveis com a normativa que consagra esta última e, por outro lado não existem nem normativa nem órgãos comuns para aplicar uma defesa efetiva da concorrência. Nesse contexto os EPM, de fato, continuaram aplicando nesses casos suas respectivas legislações antidumping no comércio intrazona.

154) A justificativa da adoção de medidas antidumping radica na necessidade de defender a concorrência. Esta, por sua parte, apresenta duas facetas (Jean Bernard Blaise, “Droit des affaires”, L.G. D. J., segunda edição, Paris, 2000, parágrafo 601, págs. 301 e 302). Por um lado, procura manter a concorrência em seus justos limites de maneira que seja exercida de modo leal e razoável, o qual seria contradito por uma má aplicação do regime antidumping pois este requer que a concorrência não seja distorcida nem eliminada, pois debilitar a concorrência vai de encontro aos fins de um mercado comum (Gabrielle Marceau, “Anti-dumping and Anti-trust issues in free trade áreas”, Oxford University Press, Great Clarendon Street, 1994, pág. 141, com citação do art. 3 (f) do Tratado de CEE e sentença ECJ, Case 6/72, “Europemballage Corporation v. Commission” (1973) ECR 215, 244). Com efeito, seria por exemplo abusivo se quem estivesse em uma posição dominante no mercado e se negasse a vender aos consumidores finais dentro de seu próprio mercado, surgisse como peticionário em uma investigação antidumping, pelo qual a autoridade tem o dever de não tomar medidas desse tipo que tenham como efeito a criação ou o fortalecimento de uma posição dominante (Gabrielle Marceau, op. cit., pág. 143 e nota 61).

155) Por outro lado, procura proteger a existência da concorrência em si mesma, evitando o desaparecimento de atividades que ponham em perigo o processo competitivo como seria o caso dos consumidores que passassem a depender de uma única fonte de abastecimento estrangeira ou sucumbisse uma indústria viável no país ou no mercado comum (Gabrielle Marceau, op.cit., pág. 145 e nota 73). Nesse sentido expressou-se que o propósito, enfim, desta legislação é manter a igualdade de oportunidades (“the purpose of this proposed legislation is to restore , so far as posible, equality of opportunity in business by strengthening antitrust laws and by protecting trade and commerce against unfair trade practices …”, Comitê Judicial da Câmara de Representantes dos Estados Unidos da América do Norte citado por Richard Dale, “Antidumping Law in a liberal Trade Order”, Saint Martin´s Press, New York, 1980, pág. 35).

156) Isto levou a pensar que a luta contra os efeitos nocivos dessas práticas pode ser canalizada, abandonando o regime antidumping mediante sua substituição por uma normativa adequada de defesa da concorrência, o que foi efetivamente levado a cabo na Europa, expressando-se que “Um dos objetivos básicos do sistema de concorrência não falseada estabelecido nas normas da Comunidade é evitar que a unidade do mercado único se veja ameaçada por ações que têm por efeito o restabelecimento de barreiras internas que foram desmanteladas ou que outorgam a certos operadores do mercado uma vantagem desleal” (Oitavo Relatório sobre a Política de Concorrência da Comissão de Comunidades Européias de 1979, citado por Julio A. García López, “La crisis del sistema G.A.T.T. y el derecho anti-dumping comunitario”, Editora Colex, Madri, 1992, pág. 193) .

157) Não obstante, para que isso seja eficaz deve ser, ao menos, acompanhado pela eliminação da proteção tarifária ou não tarifária à importação no mercado interno de quem vende em condições de dumping, permitindo um mercado livre real, assim como por instituições comuns facultadas para aplicar as regras de defesa da concorrência nos territórios de todos os Estados Partes com relação às restrições ao comércio originadas tanto nos setores privados como nos públicos (do trabalho apresentado por Jacques H. J. Bourgeois, Assesor Legal Principal da Comissão das Comunidades Européias, na 22ª. Conferência Bienal da International Bar Association, Comitê “C”, Buenos Aires, 25 a 30 de setembro de 1988, sob o título “Antitrust and Trade Policy: A Peaceful Coexistence?”), o que até o momento não foi instituído no MERCOSUL.

158) A inexistência de um regime de defesa da concorrência que neutralize as situações de predomínio de certas empresas em um mercado ampliado, é uma circunstância que deu suporte à manutenção de medidas antidumping no comércio intrazona sem que tenha sido prevista uma regulação específica para este fenômeno, tal como ocorreu no Acordo de Livre Comércio entre o Canadá e os Estados Unidos da América e no posterior Acordo de Livre Comércio da América do Norte (NAFTA) que incluiu o México, além desses dois países.

159) Nesta situação o AD OMC proporciona uma referência à que cabe recorrer não a título de normativa Mercosul, que não é, mas através do artigo 19 do PB como princípios de direito internacional na matéria (Cfr. Segundo Tribunal Arbitral, parágrafos 59 e seguintes, para esclarecer o conceito de subsídios), neste caso para ilustrar sobre o sentido e o fim dos procedimentos antidumping.

160) A finalidade do AD OMC e do Acordo Geral GATT 1994, no qual este se encaixa, consiste em neutralizar uma prática nociva do comércio internacional, fosse a mesma uma exportação predatória ou a instrumentação de uma política empresária de discriminação de mercados através de preços diferenciais entre o vigente no mercado doméstico e o que vigora no país ao qual dirige suas exportações.

II-F-2) A utilização indevida das medidas antidumping com desvio de poder

161)Conseqüentemente, a utilização do regime antidumping deve buscar a finalidade prevista pela norma, o que descarta sua utilização para dissimular ou encobrir a obtenção de outros fins que atentam contra a facilitação do comércio. O contrário constituiria um “desvio de poder” que viciaria o ato (Enrique Sayagués Laso, “Tratado de Derecho Administrativo”, Tomo 1, Montevidéu, 1963, parágrafo 280, páginas 449, 450; Cretella Junior, “Direito Administrativo do Brasil”, Tomo 3, páginas 175/176; Miguel S. Marienhoff, “Tratado de Derecho Administrativo”, Tomo II, Abeledo Perrot. Buenos Aires, 1966, parágrafo 414, página 344).

162) O desvio de poder, ou seja, a violação da finalidade legal, compendia um conteúdo subjetivo e psicológico, caracterizado pela vontade geralmente encoberta ou dissimulada, de alcançar determinado fim (Miguel S. Marienhof em seu “Tratado de Derecho Administrativo”, Tomo II pág. 537, com citas de: Stassinopoulos, “Traité des actes administratifs”, pág, 217; Sarría, “Teoría del recurso contencioso administrativo”, pág. 188; Waline, “Droit Administratif”, pág. 480, Paris 1963; e Prat, “Do desvio de poder”. pág. 371).

163) Ocorre desvio de poder quando o agente estatal serve-se de uma competência para alcançar uma finalidade não contemplada pela norma que a institui. Disto resulta uma incongruência entre a norma e o ato, ou seja, o agente se vale de um ato para satisfazer uma finalidade alheia à natureza do ato utilizado (Celso Antonio Bandeira de Mello, “Curso de Direito Administrativo”, Malheiros Editores, São Paulo 1993, pág. 186). No desvio de poder, o comportamento do agente, orientado por um móbil viciado, está em desacordo com a finalidade normativa. São modalidades de desvio de poder:

a) não perseguir o interesse público pela violação do princípio de impessoalidade: o ato tem como objetivo interesses pessoais, do agente ou de terceiros.

b) perseguir um fim de interesse público, mas estranho à categoria de interesses pertinentes à concorrência, pois o ato se vale de uma via jurídica para alcançar fins públicos que deveriam ser implementados por outra via jurídica (Vedel, Georges, “Droit Administratif”, Terceira Edição. Paris, PUF, 1964 p 458 e 462).

c) violar um princípio de razoabilidade:

- ou porque a medida estabelecida era prevista, mas o motivo falso ou inidôneo;

- ou porque a medida estabelecida era prevista e necessária, mas inadequada aos objetivos jurídicos (via imprópria); \

- ou porque a medida estabelecida, embora prevista, necessária e adequada, é desproporcional com relação ao fim que se deseja atingir (excesso).

164) Quanto ao motivo indicado precedentemente, assinala-se que o mesmo constitui o pressuposto material que autoriza e exige a prática do ato administrativo; é, pois uma situação empírica, externa e prévia, podendo estar prevista na norma ou não. Se está prevista, fala-se de uma previsão abstrata de uma situação de fato, a qual deveria ser tomada em conta pelo ato perante uma situação material concreta. Essencial para o desvio de poder em todas as suas modalidades é o móbil. Do motivo (situação objetiva e externa ao agente) se distingue o móbil, isto é, a representação subjetiva e interna do agente, básica para o exame da intenção. O móbil é relevante para a apreciação do desvio da finalidade, sobretudo nos aspectos referidos ao âmbito de discricionariedade do ato, aspectos que, em virtude do modo em que a norma regula a matéria, exigem que o agente pondere as circunstâncias do caso quanto à melhor maneira de atender à finalidade normativa.

165) Com respeito à finalidade, entende-se por tal o tratamento do bem jurídico objetivado pelo ato. Se há conformidade com a finalidade normativa, o ato é correto, se estiver em desconformidade ocorre o desvio. Assim, não se pode buscar através de um ato a proteção do bem jurídico cuja satisfação deveria ser obtida por outro ato ou categoria de ato: cada ato tem a finalidade assinalada pela norma que a concebe. Como dizem Eduardo García de Enterria e Ramón Fernández (“Curso de Derecho Administrativo”, Oitava Edição, Civitas, Madri, 1998, tomo I, pág. 458): “os poderes administrativos não são abstratos, utilizáveis para qualquer finalidade, são poderes funcionais, outorgados pelo ordenamento em vista de um fim específico, com o qual afastar-se do mesmo, cega a fonte de sua legitimidade.”

166) Quando se diz que a administração está obrigada à finalidade, significa dizer que aquela está subordinada ao princípio da finalidade. Não se trata de uma conseqüência da legalidade, mais ainda, trata-se de algo que é inerente à legalidade: é a exigência de cumprir a lei tal como ela é. Por isso, o desvio da finalidade viola a lei de modo peculiar: embora obedeça a sua forma, o desvio de poder burla a lei sob o pretexto de cumpri-la.
Neste sentido, a atividade administrativa está vinculada a um fim alheio à pessoa e aos interesses particulares do agente ou do órgão que a exerce. E o desvio de poder ocorre não somente quando a atuação administrativa é estranha a qualquer finalidade pública, mas também quando “o fim perseguido, embora seja de interesse público, não é o fim que a lei assinala para aquele ato” (Jean Rivero, “Droit Administratif”, Segunda Edição , Dalloz, Paris,1962, pág. 225 a 260). A respeito do desvio de poder, deve-se ter em conta o princípio da moralidade. Segundo os cânones da lealdade e da boa fé, a administração deve proceder em relação aos administrados com sinceridade e lisura, sendo-lhe proibida qualquer conduta maliciosa tendente a confundir ou minimizar seus direitos.

167) Nessa situação e à luz das considerações efetuadas, cabe ao Tribunal Arbitral decidir se a investigação por dumping e as medidas antidumping tomadas como resultado do procedimento no caso dos autos e estabelecidas na Resolução ME 574/2000 constituem uma restrição à livre circulação de bens consagrada na normativa Mercosul.

168) Naturalmente, a tarefa do Tribunal não consiste em praticar uma revisão detalhada de cada elemento do procedimento nem em verificar sua concordância exata com a legislação nacional argentina. Tampouco o questionamento pode alcançar o mero desacerto na aplicação do direito interno na medida em que se respeitem certos standards internacionais (Alfred Verdross, "Derecho Internacional Público", Biblioteca Jurídica Aguilar, Madri, 1969, pág. 309). O Tribunal deverá examinar os elementos e componentes principais do procedimento e de sua conclusão em medidas antidumping para determinar, através de fatores ou indicadores objetivos se tal procedimento foi empregado como instrumento de restrição comercial, violentador portanto da regra da livre circulação de bens, ou não. Em outras palavras, numa função claramente jurisdicional, o Tribunal deve determinar se houve um simulacro nas formas para alcançar um objetivo de bloqueio à livre circulação ("simulacre des formes pour masquer la violence”, sentença arbitral de 21 de outubro de 1861 no assunto “Yuille Shortridge & Co.", citado por Verdross, op. cit. pág. 307)

169) O Tribunal, no cumprimento dessa tarefa, considerou em particular os seguintes aspectos:

II-F-3) Análise do procedimento antidumping aplicado no caso a fim de determinar se há desvio de poder

II-F-3-a) Breve cronologia das etapas do procedimento

170)No dia 2 de setembro de 1997 o CENTRO DE EMPRESAS PROCESSADORAS AVÍCOLAS (CEPA) da República Argentina apresentou-se perante a Subsecretaria de Comércio Exterior (SSCE), órgão dependente do Ministério de Economia da República Argentina, solicitando a abertura de investigação por importações de frango eviscerado em condições de dumping, oriundo da República Federativa do Brasil.

171)Em 23 de setembro de 1997 a CNCE, por ata da Diretoria N° 367, emitiu opinião sobre a respresentatividade das empresas aderidas formalmente à solicitação do CEPA dentro da produção local do produto similar. Por seu lado, em 21 de novembro de 1997, mediante a Disposição SSCE N° 33, a SSCE declarou admissível a solicitação apresentadada pelo CEPA.

172) No dia 7 de janeiro de 1998, por Ata da Diretoria N° 405, a CNCE concluiu que não existiam suficientes alegações de dano e ameaça de dano que justificassem o início da investigação. Logo, o CEPA encaminhou nova informação e, em atenção ao expediente, o serviço jurídico do Ministério determinou que “cabia previamente à toda tramitação, solicitar a nova intervenção da citada Comissão Nacional a fim de que a mesma se manifestarse sobre os elementos fornecidos”.

173) Em 22 de setembro de 1998, por Ata da Diretoria N° 464, a CNCE concluiu que existiam suficientes alegações de ameaça de dano que justificavam o início da investigação.

174) No dia 7 de janeiro de 1998 a Área Práticas Comerciais Desleais e Salvaguardas (APCYyS) elaborou um “Relatório Relativo à Viabilidade da Abertura da Investigação” que concluiu que “verificou-se que existia prática comercial desleal de comércio sob a forma de dumping em grande parte das operações de exportação à República Argentina de frangos eviscerados oriundos da República Federativa do Brasil”.

175) Em 20 de janeiro de 1999, mediante a Resolução N° 11/99 (SICyM) publicada no Boletim Oficial de 25 de janeiro de 1999, a Secretaria de Indústria, Comércio e Mineração declarou procedente a abertura da investigação de dumping.

176) Em 28 de junho de 1999, por Ata da Diretoria N° 531, a CNCE concluiu preliminarmente que existiam indícios de dano à indústria nacional causados pelas importações investigadas, não obstante levando em conta a conveniência de analisar em profundidade as distintas causas de dano além das importações investigadas, decidiu avançar em direção à etapa final da investigação sem a aplicação de medidas provisórias.

177) No dia 6 de agosto de 1999, a Direção de Concorrência Desleal (DCD) elaborou seu “Relatório de Determinação Preliminar da Margem de Dumping” no qual concluiu que se havia registrado margem de dumping em função da relação entre os preços FOB de exportação à República Argentina e o Valor Normal considerado oportunamente para a origem investigada. Determinou que a margem de dumping chega a 13,08%.

178) Em 7 de setembro de 1999, a SSCE deu ciência à CNCE de que tinha sido considerado adequado passar à seguinte instância do procedimento a fim de aprofundar a análise de todos os elementos de prova fornecidos às atuações em questão.

179) Em 25 de novembro de 1999 efetuou-se no âmbito da CNCE a Audiência Pública convocada pela Diretoria da CNCE através da Ata N° 562.

180) Em 23 de dezembro de 1999 a Comissão Nacional de Comércio Exterior (CNCE) elaborou sua Ata N° 576, mediante a qual emitiu a “Determinação Final sobre a existência de dano à produção nacional causado pelas importações realizadas em condições de concorrência desleal” (fls. 2520 a fs. 2662 com anexos de fs. 2663 a fls. 2753), registrando-se votos divididos. A maioria composta por três dos quatro membros concluiu que “a indústria nacional de frangos eviscerados inteiros sofre dano importante causado pelas importações em condições de suposto dumping originárias da República Federativa do Brasil”, ao passo que o voto dissidente expressou que “a indústria nacional produtora de frangos inteiros eviscerados não sofreu dano importante causado pelas importações”.

181) Em 23 de junho do ano 2000, a DCD elaborou seu “Relatório de Determinação Definitiva da Margem de Dumping” (fls. 2985 a fls. 3089 com anexos de fls. 3090 a fs. 3201)), no qual concluiu que “chegou-se à determinação final acerca da existência de prática comercial desleal sob a forma de dumping. Assim, foram alcançadas, em seu caso, margens de dumping em função da relação detalhada precedentemente entre os preços FOB médios de exportação à República Argentina e o Valor Normal do produto similar considerado oportunamente, tendo em conta a informação constante das atuações de referência para cada caso particular e em função da participação das firmas interessadas na presente investigação. Finalmente, a respeito daquelas firmas para as quais a Autoridade de Aplicação não contou com informação adequada, correspondeu o uso da melhor informação disponível para a determinação final da margem de dumping”. \

182) Finalmente no dia 21 de julho de 2000 editou-se a Resolução (ME) 574/2000, publicada no Boletim Oficial da República Argentina no dia 24 de julho de 2000, mediante a qual foram aplicados os direitos andidumping que são objeto desta controvérsia.

II-F-3-b) Aspectos do trâmite da investigação de dumping

183) A Direção de Concorrência Desleal convidou as empresas exportadoras a preencher os questionários orientados a estabelecer a base de dados particularizada para cada empresa, e para que oferecessem as provas que considerassem pertinentes, concedendo as prorrogações de prazo solicitadas.

184) Em 20/4/99 apresentaram-se para fornecer dados e provas as empresas exportadoras SADIA S.A (expediente Nº 061-003243/99 constante no corpo IX fls. 999), AVIPAL S.A. (o mesmo expediente que a Sadia apesar de que antes já havia feito uma apresentação em 16/2/99 através de nota), FRIGORÍFICO NICOLINI LTDA. (o mesmo expediente que a Sadia embora complementado pela apresentação no expediente Nº 0061-003244/99 constante do Corpo IX, fs. 1000 ), SEARA ALIMENTOS S.A. (expediente 061-003241/99 parte do Corpo VIII, fls. 998, Fólios 1 a 141), FRANGOSUL S.A. AGROAVÍCOLA INDUSTRIAL (a qual se apresenta no dia 27 de abril de 1999 pelo expediente Nº 061-003502/99 parte do Corpo XI, Fls. 1022).

185) As exportadoras argumentam acerca da “impossibilidade de agregar todas as faturas de venda no mercado interno devido a sua quantidade diária que se conta por dezenas de milhares, razão pela qual foi substituída por preços representativos do período, circunstância que poderá ser corroborada por meio da verificação da documentação no país de origem e pelo acréscimo das publicações sobre preços no mercado interno”. Ante isto, a autoridade responsável pela aplicação manifesta não desconhecer a dificuldade que surge em situações como estas e por isso sugere que se indiquem alternativas técnicas e metodológicas para solucionar esse inconveniente.
Mais tarde, a SADIA forneceu uma lista de notas fiscais por expediente 061-007775/99 de 26/8/99 anexados aos Corpos XXX a XLVIII, fls. 2311. Posteriormente, a autoridade competente pediu esclarecimento sobre as condições de pagamento e impostos mediante nota com data de 28/11/99 (Corpo LIX, fls. 2427 e 2428). Outrossim, solicitou-se à empresa a apresentação da documentação de apoio correspondente à amostra realizada pela Direção com a especificação dos números das notas fiscais requeridas e sua data de emissão (Corpo LIX, fls. 2475 a 2479) Logo de um pedido de prorrogação, a SADIA encaminhou os dados requeridos (ver fls. 3027). Por seu lado, a AVIPAL através do expediente 061-12454/99 (Corpo LX, fls. 2505) enviou suportes magnéticos com listas de notas fiscais, o FRIGORÍFICO NICOLINI encaminhou cópia das notas fiscais sem tradução, correspondentes aos anos 1997 e 1998 e aos três primeiros meses de1999 mediante o Expediente nro. 061-007774/99 de 26/8/99, e através do Expediente 061-012163/99 de 14/12/99 apresentou a documentação que respalda a amostra estatística realizada (Corpo LX, fls. 2502). O SEARA ALIMENTOS encaminhou duas faturas do mercado interno no dia 3/9/99 pelo expediente 061-008061/99 (Corpo LII, fls. 2327). Por nota de 3/12/99, lhe foi solicitada a documentação de apoio com a especificação dos números das notas fiscais requeridas, a filial e a data de emissão (Corpo LIX, fls. 2469 a 2471). Em 13/12/99, o SEARA remeteu um disquete com as listas das notas fiscais e pediu uma prorrogação para apresentar a documentação de apoio (Expediente nro. 061-012107/99, Cuerpo LX, fls. 2491 y expediente Nº 061-012110/99, Corpo LX, fls. 2494). Finalmente, em 21/12/99 apresentou a documentação que respalda a amostra estatística realizada pelo expediente nro. 061-01245/99 no corpo LXI, fls. 2506. A FRANGOSUL apresentou em 1/9/99 três faturas (Corpo LII; fls. 2326). No dia 12/10/99 a autoridade de aplicação solicitou a apresentação de listas das notas fiscais das quais surgem todas as operações realizadas durante o período de investigação (Corpo LIII, fs. 2382 e 2383). Neste último caso não se observa que o requerimento tenha sido respondido.

186) Os exportadores solicitam que “seja requerida a elaboração de um relatório técnico contábil no qual conste a incidência dos impostos e tributos descritos no item 1.1. quando a mercadoria se destina ao mercado interno e que seja estabelecida a situação quando a mesma mercadoria se destina à exportação”. A autoridade de aplicação manifestou que a prova seria fornecida em seu momento para o qual se levaria em conta a designação dos respectivos consultores técnicos pelas firmas intervenientes, a expensas das mesmas e de acordo às considerações que no caso se estimem convenientes. Do expediente não surge que as empresas exportadoras tenham designado tais consultores técnicos nem que tenham sido feitas essas análises. Não se observa que os exportadores tenham fornecido dados, cifras nem coeficientes que indiquem qual seria a referida incidência e que pudessem estar sujeitos à comprovação ou servir de base para uma correção.

187)Os exportadores solicitam também que “seja requerido um relatório técnico-contábil que estabeleça, com base nos dados fornecidos neste critério, o valor “ex – fábrica” tanto para a exportação como para o mercado interno”. A autoridade de aplicação expressou que a medida de prova exigiria a designação dos respectivos consultores técnicos pelas firmas intervenientes, a expensas das mesmas e de acordo às considerações que se estimem convenientes no caso. Da leitura do expediente não se observa que as exportadoras tenham designado os consultores mencionados, nem indicado quais seriam os valores “ex – fábrica” que se tentaria provar.

188) Junto ao escrito das exportadoras estão as respostas oferecidas em relação ao questionário “produtor/exportador” em que são indicados em onze anexos os dados referentes à informação geral do produtor exportador, às exportações à Argentina, às vendas efetuadas no mercado interno do Brasil, às exportações a terceiros países, e à estrutura de custos da mercadoria, tanto para o mercado interno como para a mercadoria exportada.
Com relação a estas informações e, em particular, a respeito das vendas efetuadas no mercado interno do Brasil, registram-se as seguintes respostas:

- A SADIA (Corpo X, fls. 1012, Fólios 1 a 14) apresenta as vendas anuais para 1996, 1997 e 1998 e para os dois primeiros meses do ano de 1999.
- A AVIPAL (Corpo XX, fls. 1614, Fólios 1 a 23) faz um resumo não confidencial das vendas no mercado interno, com preço de venda e quantidade por toneladas. A autoridade de aplicação tomou providências expressando que solicitaria de forma confidencial a apresentação da documentação que apóia as mesmas
- O FRIGORÍFICO NICOLINI (Corpo IX, fls. 1000) indica as vendas efetuadas no mercado interno, para o qual a autoridade de aplicação expressa que seria necessária a documentação que apóia as vendas internas e externas, requerendo sua tradução e esclarecimentos sobre os seguintes temas: natureza da documentação apresentada, especificação do mercado ao que foi destinada a mercadoria mencionada, se as informações se referem a vendas totais ou a uma amostra das mesmas, quais são os impostos incluídos e quais as condições de pagamento.
- O SEARA ALIMENTOS (Corpo VIII, fls. 998, Fólios 1 a 141) indica as vendas efetuadas no mercado interno esclarecendo que devido ao grande volume comercializado por mês no mercado interno, se anexa um resumo das notas fiscais emitidas com relação às vendas efetuadas no mercado interno, as mesmas contêm os volumes vendidos, preços brutos e preços líquidos de impostos e fretes. Indica-se que a autoridade de aplicação solicitará documentação de apoio e informação separada por operação.
- A FRANGOSUL S.A. (Corpo XI, fls. 1022) indica as vendas efetuadas no mercado interno correspondentes aos anos 1996, 1997, 1998 e aos primeiros três meses de 1999, separadas por mês. A autoridade de aplicação manifesta que solicitará a documentação de apoio.

189) O Centro de Empresas Processadoras Avícolas (CEPA) forneceu informações sobre o preço do mercado interno do Brasil a partir de uma publicação da Assessoria JOX de 30/6/97 (Corpo I, fls. 1, fólios 150/163) na qual se informam os preços do quilograma de frango resfriado em São Paulo para o período 1998-1999, expressos em reais e correspondentes a frangos com pés, cabeça e miúdos, o que foi ratificado mais adiante (Corpo XXV, fls. 2096, fólios 1 a 41 do Expediente administrativo da Direção de Concorrência Desleal).

190) Os dados do relatório da JOX não foram questionados pelas exportadoras e as mais importantes delas (AVIPAL, FRANGOSUL, FRIGORÍFICO NICOLINI, SADIA e SEARA), ofereceram relatórios dessa mesma fonte (ver manifestação destas firmas, fls. 2964, fólio 1 verso).

191) A peticionária CEPA expressa que na Argentina o frango é vendido sem cabeça e sem pés, ao passo que no Brasil a ave é vendida com esses dois elementos; com o objetivo de permitir a comparação em igualdade de condições de ambos os produtos calcula o custo de separar esses elementos do frango em si, o que dá lugar a um ajuste de 9,09% aplicado sobre a base desses dados, efetuando assim um cálculo orientado a adequá-lo comparativamente às condições em que este produto se vende no país.
A peticionária acrescentou que o peso médio do frango vivo que se abate no Brasil é de 2,25 kg, dos quais obtém-se 88% de carne vendível e que já no caso da Argentina obtém-se apenas 80%, o que leva ao seguinte cálculo:

Brasil = 88% s/2,25 kgs. = 1,980 kgs.
Argentina = 80% s/2,25 kgs. = 1,800 kgs.


A partir disso, conclui-se que o frango vivo de 2,25 kg produz na Argentina 9,09 % menos de carne vendível.

192) A SADIA, em sua apresentação de 26/8/99, expediente 061-007772/99 (Corpo XXX, Fólios 2309) expressa que “do preço informado pelo CEPA como valor nominal, deverá ser deduzido o componente tributário do preço para o mercado interno, assim como o frete nacional e o custo financeiro que cabe abater para chegar ao valor FOB, que não é aplicável ao tratar-se de uma exportação. Partindo do preço publicado pela JOX em 30/6/97 que foi incorporado a este expediente deve-se ter em mente, para uma correta interpretação do mesmo, a paridade cambial do real nessa data equivalente a 0,99 reais por U$S 0,92 para o que aqui se entende como “fresco grande mayorista” e que para meus mandantes resulta ser o “preço de venda por atacado” para grandes supermercados que representam cerca de 80% das vendas do mercado interno”.

193) No relatório final a Direção de Concorrência Desleal encaminha um quadro (fls. 3060) no qual se indica a participação em quilogramas que tem cada uma das exportadoras brasileiras no mercado argentino, expressa da seguinte maneira:

- ACAUA INDÚSTRIA 0,07%
- AVIPAL 6,40%
- CATARINENSE 1,97%
- CEVAL 1,56%
- COMAVES 5,75%
- CHAPECO 2,32%
- DA GRANJA AGROI 3,09%
- FELPE AVÍCOLA 0,55%
- FRANGOSUL 4,35%
- LITORAL ALIMENT 0,82%
- MINUANO 5,76%
- NICOLINI 9,18%
- PERDIGÃO AGROÍN 2,64%
- SADIA 34,08%
- SADIA CONCÓRDIA 2,58%
- SEARA 18,77%
- VENETO 0,11%
- TOTAL 100,00%

Do quadro surge que AVIPAL, NICOLINI, SADIA e SEARA abarcam 68,43% do volume exportado do Brasil à Argentina.

194) Em 20 de janeiro do ano 2000, pelo expediente Nº 061-00711/2000 (fls. 2963, fólios 1 a 7), as exportadoras AVIPAL, FRANGOSUL, FRIGORÍFICO NICOLINI, SADIA e SEARA apresentam seu alegato (ver fls. 3071 do relatório final). Criticam a correção pelo fator 9,09%, julgando-a uma prática tendenciosa. Não se observa que tal afirmação esteja apoiada em pesquisas tendentes a provar que o coeficiente correspondente seria outro.

195) Em 19 de janeiro de 2000, pelo expediente Nº 061-000663/2000, apresenta-se a Embaixada do Brasil (Corpo LXIV, fls. 2950, fólios 1 a 6) a qual faz “comentários sobre o documento” referido ao levantamento do que foi feito anteriormente ao fechamento da etapa probatória na investigação por suposto dumping.

196) Na determinação preliminar estabeleceu-se uma margem de dumping de 13,08% o que se reflete no quadro que consta das fls. 3086 do relatório final. Ali se expressa que o valor normal é de US$ / Kg. 1,0385 e que o preço FOB de exportação médio é de US$ / kg. 0,91836, pelo qual a margem de dumping seria a diferença, ou seja, 0,12057. Essa diferença ou margem de dumping representa 13,08 % do preço FOB de exportação.

197) Às fls. 3086 do relatório final procede-se a elaborar a determinação final de cada um dos quatro produtores que forneceram informações. Em cada um destes cálculos se observam variações tanto no valor normal (isto é, o preço do mercado interno do Brasil para cada uma dessas empresas) como no preço de exportação, o que resulta em margens de dumping distintas e inclusive negativas para as firmas FRIGORÍFICO NICOLINI e SEARA ALIMENTOS.
As margens de dumping estabelecidas para cada uma das empresas são as seguintes:

Firma Valor Normal Preço FOB Margem de Dumping
SADIA 0,9294 0,80883 14,91%
AVIPAL 1,0896 0,94355 15,48%
NICOLINI 0,8027 0,95843 Negativa
SEARA 0,9104 1,00988 Negativa

198) Com relação às firmas CATARINENSE LIMITADA, FRANGOSUL, COMAVES, DA GRANJA AGROI, SADIA CONCÓRDIA, MINUANO DE ALIMENTOS, ACAUA INDÚSTRIA, FELIPE AVÍCOLA, PERDIGÃO AGRÓIN, VENETO, CHAPECÓ CL e LITORAL ALIMENT, a autoridade de aplicação expressa que “não dispôs de informação adicional ou com respaldo documental suficiente que a habilitasse a proceder à determinação final individual da margem de dumping com a mesma. Nesse sentido, cabe referir-se ao estabelecido pela legislação vigente na matéria considerando-se para tal fim a margem de informação colhida pela autoridade de aplicação em instâncias precedentes do presente trâmite, correspondendo a seguinte determinação, a saber....”, e a seguir indica o seguinte quadro:

Valor Normal
U$S / Kg
Preço FOB
Médio U$S/kg
Margem de dumping
%
1,0385 0,95992 8,19

199) Observa-se que nos casos antes mencionados e perante a falta de dados fornecidos com suporte documental, utilizou-se como valor normal o que foi usado para a determinação preliminar, o qual surge a partir dos cálculos realizados no relatório preliminar. Quanto ao preço FOB de exportação (us$ 0,95992) este não coincide com o preço FOB de exportação do relatório preliminar (us$ 0,91836) em razão de que para o cálculo destes preços de exportação foram eliminadas das listas as importações produzidas pelas quatro empresas analisadas individualmente (SADIA, AVIPAL, FRIGORÍFICO NICOLINI e SEARA ALIMENTOS) e, portanto, ante a ausência desses dados, tomou-se o preço FOB médio das exportações com a exclusão das quatro anteriores.

200) Quanto às firmas exportadoras indicadas pelos importadores como fornecedoras de frango, surge do expediente que algumas delas, que foram consultadas pela Direção de Concorrência Desleal, informaram que não tinham realizado as exportações a elas atribuídas e, portanto, não proporcionaram dados nem preencheram questionários; tal é o caso da COOPERATIVA CENTRAL DE LATICÍNIOS DO PARANÁ que se apresentou no dia 18/10/99 pelo expediente Nº 061-009759/99 (Corpo LIII, fls. 2387) e expressou que durante o período compreendido entre janeiro de 1998 e janeiro de 1999 não realizou exportações do produto denunciado. O mesmo ocorre com CHAPECÓ COMPANHIA INDUSTRIAL que, em 28/10/99 através do expediente nro. 061-010656/99 (Corpo LIX, Fls. 2418) comunicou que não realizou vendas à República Argentina durante o período investigado.

Outras empresas exportadoras não proporcionaram informações ao requerimento efetuado pela autoridade argentina. Tal é o caso da PERDIGÃO AGROINDUSTRIAL que foi requerida pela nota Nº 273-001319/99 de 8/11/99 (Corpo LIX, Fls. 241 e 2412); PENABRANCA, que uma vez requerida, pediu prorrogação a qual lhe foi concedida mediante a nota Nº 273-001406/99 de 18/11/99 (Corpo LIX, fls. 2423 e 2424), no entanto ao término do prazo estabelecido não havia remetido informação alguma.

Finalmente a COMPANHIA MINUANO DE ALIMENTOS requerida, solicitou prorrogação, tendo seu pedido atendido pela nota Nº 273-001409/99 de 18/11/99 (Corpo LIX, fls. 2429 e 2430) e tampouco apresentou a informação solicitada.
A COMAVES COMÉRCIO DE ALIMENTOS LIMITADA após solicitar uma prorrogação do prazo para encaminhar a informação, e ao finalizar o período probatório, apresentou em 27/1/00 pelo expediente Nº 061-000915/2000 três quadros correspondentes aos anos 1997, 1998 e aos primeiros quatro meses do ano 1999 com informações mês a mês das vendas efetuadas pela empresa no mercado interno (Corpo LXIV, Fls. 2969, fólios 2,3 e 4) embora não tenha fornecido suporte documental à mesma.
A COOPERATIVA CENTRAL OESTE CATARINENSE LIMITADA, apresentou a informação com as respectivas respostas aos questionários de produtor / exportador mas não a acompanhou por suporte documental.

II-F-3-c) Conclusões sobre o modo como foi realizado o procedimento antidumping

201) A Reclamante questiona o modo em que foi levado a cabo o procedimento de investigação e de aplicação dos direitos antidumping pela Reclamada com respeito aos fundamentos da abertura da investigação, assim como pelo não arquivamento das autuações, pela falta de dados na publicação da decisão final, e por incorreções na determinação de preços em condições de dumping, de dano à produção local e de relação de causalidade entre eles. Também questiona que a margem de dumping não tenha sido fixada através de uma alíquota, e sim por diferença entre o valor normal e o preço de exportação declarado. Por último, questiona a prática da Aduana argentina em relação à valoração das mercadorias importadas. A respeito deste último tema, o Tribunal já expressou que o mesmo não é matéria desta controvérsia. Quanto aos restantes, alguns deles apontam irregularidades alegadas no procedimento tanto nas etapas prévias como em etapas posteriores à imposição do direito antidumping e outras relativas à existência dos pressupostos requeridos para a aplicação dos direitos antidumping, isto é, se há preço em condições de dumping, dano à produção local e relação de causalidade entre aquele e este.

202) A Parte Reclamada opõe que os exportadores devem respeitar o esgotamento dos recursos de ordem nacional antes de lançar-se a uma instância arbitral. O Tribunal não considera necessário pronunciar-se sobre a aplicação a este caso do referido requisito nem tampouco do valor que, frente a esta instância, teriam os pronunciamentos que naquele âmbito teriam adquirido autoridade de coisa julgada, porquanto antecipa que a análise das autuações levaram a sua convicção de que as irregularidades alegadas não permitem presumir que o Estado Reclamado tenha agido com intenção de restringir abusivamente a circulação intrazona, pelo qual carece de faculdades para analisar intrinsecamente a regularidade do procedimento antidumping à luz das normas nacionais.

203) Dado que as formas do procedimento tendem a resguardar o direito de defesa em juizo das partes nele envolvidas, as irregularidades de procedimento somente adquirem relevância aos efeitos da presente análise quando afetam as garantias do devido processo. No caso as irregularidades alegadas a respeito dos trâmites prévios à abertura da investigação não foram suscetíveis de criar impotência já que são parte de um estágio preliminar do procedimento, no qual as partes ainda não foram convocadas, tendo estas oportunidades de defesa nas etapas que se cumpriram posteriormente.

204) O fato de que a autoridade competente da investigação não tenha remetido às exportadoras ou ao representante do Estado Parte envolvido cópias da apresentação do peticionário, ou que na publicação da determinação final não tenham sido incluídos alguns dados recolhidos na investigação, não teve por efeito provocar a impotência da Parte Reclamante já que, conforme surge dos protocolos do expediente, os interessados que se apresentaram na causa tiveram a possibilidade de examinar os autos e de tirar fotocópias em qualquer momento, o que no caso da Parte Reclamante efetivamente ocorreu, conforme se conclui do expediente (fls. 2314, 2877, 2892, 2908, 2982, 3304/5) e sem que conste reclamação nessa instância.

205) A Comissão Nacional de Comércio Exterior (CNCE) aos fls. 2531 de seu Relatório final considerou reunido o requisito de que a petição fosse feita pela “rama da produção nacional” expressando que “a solicitação de abertura foi realizada pelo CEPA. As empresas SAN SEBASTIÁN, RASIC HERMANOS, GRANJA TRES ARROYOS, AVÍCOLA ROQUE PEREZ, DOMVIL, FEPASA, FRIGORÍFICO DE AVES SOYCHU, MIRALEJOS, LAS CAMELIAS, FRIGORÍFICO CUMINI, INDUSTRIAL AVÍCOLA CORDOBESA (INDACOR) e NÉSTOR EGGS aderiram formalmente ao pedido do CEPA. Com exceção das três últimas, todas as empresas responderam ao questionário enviado pela CNCE aos produtores. A empresa SUPER apresentou-se posteriormente à abertura da investigação, respondendo também ao respectivo questionário. Desta forma, as empresas produto do levantamento representam 46,2% da produção nacional para o ano de 1998, razão pela qual a Comissão considera cumprido o requisito do artigo 4.1. do Acordo de Dumping”. Os exportadores não puseram em dúvida tal percentagem.
No relatório final preparado pela Direção Nacional de Concorrência constante dos fls. 2985 a 3201 faz-se referência à admissibilidade da petição indicando que a Subsecretaria de Comércio Exterior considerou admissível a solicitação apresentada pelo setor produtivo local, considerando reunidos os requisitos de representatividade mediante a Disposição SSCE N° 33 de 21/11/1997 que faz parte do Corpo III fls. 449 a 451. Não se observou que tais decisões tenham sido questionadas nessa oportunidade.

206) No referente à determinação da margem de dumping, não há elementos para considerar que a autoridade encarregada da investigação não tenha levado em consideração os dados fornecidos ou credenciados nessa ocasião para fazer os ajustes necessários a fim de torná-los comparáveis quanto à confrontação entre o valor normal e o preço de exportação. As empresas exportadoras não impulsionaram a prova de peritos que anunciaram em seus escritos iniciais com o fim de habilitar os relatórios que forneceriam dados alternativos aos proporcionados pela pecionária (Artigo 6.8 e seu Anexo AD OMC).

207) Embora tenha sido questionada a utilização do coeficiente de 9,09% de incremento no preço para estabelecer a comparação entre o mercado interno brasileiro e o preço de exportação, nenhuma das empresas negou a existência da diferença de peso existente entre o produto com cabeça e pés, tal como se vende no mercado interno do país exportador, e com a ausência desses elementos para o mercado importador; ademais, não forneceram elementos para métodos de cálculos alternativos ao proporcionado pela peticionária.

208) No respeitante à dedução do frete interno e dos impostos interiores do produto exportado do Brasil, observa-se que apesar de que foram oferecidos pelas empresas exportadoras estudos de consultores para que se encarregassem do cálculo adequado que teriam essas incidências, as mesmas não designaram as referidas consultoras nem diligenciaram a prova pertinente.

209) Os cálculos de dumping foram personalizados com relação às quatro empresas -SADIA, AVIPAL, NICOLINI e SEARA- que ofereceram suportes documentais. Outras empresas não apresentaram tal suporte e algumas não responderam aos questionários.

210) Das quatro empresas que forneceram material e suporte documental, duas delas - às quais lhes foi aplicado direito antidumping (SADIA e AVIPAL) - representam 40,48% do volume de exportações à Argentina, enquanto as duas empresas com margem de dumping negativa - às quais não lhes foi aplicado direito andidumping (NICOLINI e SEARA) - representam 27,95% do volume exportado à Argentina. O resto das empresas exportadoras que não apresentaram informações – para as quais se fixou uma margem de dumping com base em médias - representa 31,57% do volume exportado.

II-F-4 Conclusões sobre conseqüências e aplicação ao caso dos autos

211) O exame dos aspectos destacados nos parágrafos anteriores, assim como o expediente em seu conjunto, permitem ao Tribunal chegar às seguintes conclusões:

212) O procedimento de investigação de dumping e aplicação de medidas antidumping, motivo destas atuações, satisfaz condições de razoabilidade, sem prejuízo de observações que podem ser feitas sobre pontos específicos do mesmo e sem entrar em sua avaliação de fundo, ou seja, sobre a existência de dumping e a aplicação de medidas antidumping. Esta tarefa não é da incumbência do Tribunal, cuja jurisdição consiste em apreciar se o procedimento e as medidas que dele surgem foram empregados como um meio ilícito de restrição à livre circulação de bens no âmbito do Mercosul. Sob esta perspectiva, o procedimento não traz à luz elementos que pressuponham essa situação.

213) Entre outros aspectos considerados: há evidência de um processo prolongado no curso do qual a petição inicial dos produtores supostamente afetados foi rejeitada, para ser retomada somente após a introdução de novos elementos. Não se aplicaram medidas provisórias após a investigação preliminar. Houve publicidade e compareceram empresas brasileiras afetadas pela investigação às quais solicitou-se informações que, uma vez recebidas, foram consideradas. Não se comprova uma exclusão sistemática de informação proporcionada pelos exportadores. Foram aceitos os pedidos dos exportadores relativos à prorrogação dos prazos para o fornecimento das informações solicitadas. Foi aceito, embora não tenha sido utilizado, o recurso de lançar mão de consultores técnico-contábeis formulado por empresas exportadoras. A fonte da JOX como referência para a determinação de preços no mercado brasileiro não foi questionada pelos exportadores. A petição para iniciar o procedimento de dumping foi apresentada por empresas que representam 46,20 % da produção local de frangos que, sem constituirem a maior parte dessa indústria, compõem uma proporção significativa. Uma parte substancial das exportações, 68 %, foi seguida por quatro empresas que participaram ativamente em todas as instâncias do procedimento. A margem de dumping foi determinada em duas dessas empresas, ao passo que outras duas - que representam 27,95 % das exportações - não foram afetadas. A apreciação individual por empresa do dumping ou sua consideração grupal parece dever-se à disponibilidade ou não de informação específica. Em todo caso, as empresas consideradas individualmente representam a parte substancial do comércio de frangos.

214) As discrepâncias relacionadas com a existência dos pressupostos requeridos para a aplicação dos direitos antidumping, ou seja, se há um preço em condições de dumping, dano à produção local e relação de causalidade entre aquele e este, são aspectos que não cabe ao Tribunal dilucidar, e sim apenas determinar se na aplicação dos critérios controvertidos existiu um abuso manifesto ou excesso que revele que o procedimento foi empregado com a finalidade de obstruir o comércio.

215) Em tal sentido o Tribunal, após examinar as alegações das Partes e a documentação anexada ao expediente, considera que os critérios utilizados pela Reclamada em relação com os pontos mencionados são razoavelmente aceitáveis, sem prejuízo da possível utilização de outros critérios também aceitáveis para estimar as questões indicadas. Não se observa nos critérios aplicados um afastamento substancial do que se considera prática normal em procedimentos desta natureza. Em todo caso, não levam a presumir que o procedimento seja um simulacro destinado a estabelecer restrições ilícitas no comércio regional.

III.- CONCLUSÕES

De acordo com as considerações precedentes, o Tribunal conclui o seguinte:

1. Nã há normas específicas do Mercosul, vigentes, que regulem o procedimento de investigação de dumping e aplicação de medidas antidumping intrazona.

2. Existem, não obstante, normas Mercosul vigentes, aplicáveis ao caso, contidas no Tratado de Assunção, em seu Anexo I e no Regime de Adequação Final à União Aduaneira que consagram a livre circulação de bens a partir de 31-12-99 e proíbem, por conseguinte, a aplicação de restrições de qualquer natureza ao comércio intrazona, salvo as exceções expressas resultantes de normas vigentes (Cf. Jurisprudência dos Tribunais Ad Hoc, normas GATT-OMC, da doutrina e da prática das uniões aduaneiras e zonas de livre comércio).

3. O Tribunal Arbitral é, portanto, competente para apreciar se um procedimento de investigação de dumping e se as medidas antidumping adotadas com base nesse procedimento constituem restrições à livre circulação de bens ou não, isto é, se incorrem no descumprimento da normativa Mercosul ou não (PB, art. 1º).

4. A apreciação doTribunal não consiste em uma revisão detalhada de cada elemento do procedimento nem em verificar sua exata concordância com a legislação nacional argentina, mas sim em examinar seus componentes principais para determinar através de fatores objetivos se a investigação e as medidas antidumping foram empregadas, com desvio de poder, como instrumento de restrição comercial, violador, portanto, da regra da livre circulação de bens ou não.

5. O Tribunal, após haver realizado esse exame, entende que o procedimento referido e a Resolução ME 574/2000 com a qual culmina não constituem um descumprimento da regra de livre circulação de bens no Mercosul.

6. O Tribunal, de acordo com o precedente, não anuirá ao petitório da Parte Reclamente quanto a sua solicitação para que seja declarado o descumprimento pela Parte Reclamada das normas do MN e que por tal razão lhe ordene a revogação da resolução impugnada. Tampouco anuirá o petitório da Parte Reclamada para que se ratifique que a normativa nacional argentina é plena e exclusivamente aplicável no caso dos autos.

IV.- DECISÃO

Por todo o exposto e de acordo com o Protocolo de Brasília, seu Regulamento, o Protocolo de Ouro Preto e as normas e princípios aplicáveis, assim como com as Regras de Procedimento do Tribunal, este Tribunal Arbitral Ad-Hoc, na controvérsia sobre “Aplicação de Medidas Antidumping contra a exportação de frangos inteiros, provenientes do Brasil, Resolução Nº 574/2000 do Ministério de Economia da República Argentina”, por unanimidade, DECIDE:

1. Declarar que tem jurisdição para entender e resolver sobre o objeto da controvérsia apresentada.

2. Não anuir ao petitório da Parte Reclamante que solicita ao Tribunal que declare o descumprimento pela Parte Reclamada das normas do Marco Normativo que cita e que ordene a revogação da Resolução impugnada.

3. Não anuir ao petitório da Parte Reclamada que solicita ao Tribunal que ratifique que a normativa nacional argentina é plena e exclusivamente aplicável no caso dos autos.

4. Não é necessário pronunciar-se sobre os petitórios 4, 5, 6 e 7 da Parte Reclamada, devido ao conteúdo do ponto 2 desta Decisão e aos fundamentos expostos pelo Tribunal nos Considerandos desta Decisão.

5. Os custos e custas desta instância arbitral serão arcados pelas Partes na controvérsia de acordo com o artigo 24 do Protocolo de Brasília e da seguinte maneira: Cada Estado terá a seu cargo a compensação pecuniária e os gastos ocasionados pela atuação do Árbitro por ele nomeado. A compensação do Árbitro Presidente, os gastos ocasionados por sua atuação e as demais despesas do Tribunal serão pagos em montantes iguais pelas Partes. Os pagamentos correspondentes deverão ser realizados pelas Partes através da Secretaria Administrativa do Mercosul, dentro do prazo de trinta dias a partir da notificação do laudo.

6. Os autos da presente instância arbitral serão arquivados na Secretaria Administrativa do MERCOSUL.

7. Notifique-se desta decisão as Partes por intermédio da Secretaria Administrativa do MERCOSUL e publique-se.

Dr. Juan Carlos Blanco
Árbitro Presidente
  Dr. Enrique Carlos Barreira
Árbitro
Dr. Tércio Sampaio Ferraz Junior
Árbitro


(*) Pela nota SCREI-s Nº 145/01 se designó como representante alterna a Ministro Dra. María Cristina Boldorini.